O mensalão de Dilma


Sem qualquer freio moral e com dinheiro do Orçamento, o Planalto volta a comprar apoio parlamentar num último esforço para livrar a presidente do impeachment. Dois parlamentares do PSB teriam recebido oferta de R$ 2 milhões em troca do voto pró-Dilma

Marcelo Rocha e Mel Bleil Gallo
No derradeiro esforço para tentar salvar o mandato da presidente Dilma Rousseff, o governo reeditou nos últimos dias, sem qualquer pudor, uma prática já condenada pelo Supremo: a de usar dinheiro público para comprar apoio político no Congresso. De maneira escancarada, o Planalto passou a negociar emendas e cargos, e até dinheiro, com deputados que se dispuserem a votar contra o impeachment da petista. O modo de operar remete ao escândalo do mensalão, o esquema de compra de votos durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma diferença fundamental. O mensalão clássico consistiu no pagamento de parlamentares a partir do desvio de verbas públicas e da lavagem de dinheiro por meio de agências de publicidade. Agora, o dinheiro negociado com os deputados de forma escancarada vem direto do Orçamento – ou seja, do seu e dos nossos impostos. “São práticas terríveis e o PT repete tudo de novo”, lamentou o ex-deputado Roberto Jefferson, o principal delator do mensalão, em entrevista a ISTOÉ.
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INDIGNAÇÃO 
No Congresso, oposição protesta contra o balcão de negócios promovido pelo governo
De tão ostensivos, o assédio aos parlamentares e as propostas indecentes formuladas por emissários do Planalto fizeram corar de vergonha parlamentares que nunca se notabilizaram propriamente pela probidade ou por suas reputações ilibadas, como o deputado Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor. Há outro componente agravante no feirão a céu aberto promovido pelo governo: ele mostra que o PT vira as costas para a sociedade no momento em que o País vive uma crise político-econômica sem precedentes na história recente. Enquanto a presidente Dilma determina o contigenciamento de verbas para a Educação, e paralisa programas como o financiamento estudantil no exterior, uma das bandeiras do segundo mandato de Dilma, R$ 50 bilhões em emendas são oferecidas para quem se dignar a votar contra o impeachment. O governo também não parece se preocupar com a existência de quatro surtos de doenças no País, como a gripe H1N1, que já fez 47 vítimas só este ano. Enquanto diretores do instituto Butantã reclamam de falta de recursos federais para a produção de vacinas contra o zika vírus, por exemplo, o critério de escolha do futuro ministro da Saúde e do presidente da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) se orienta pelo número de votos contra o afastamento da presidente que os aspirantes às vagas são capazes de oferecer. Ou seja, no vale-tudo para se manter no poder, o Planalto não se constrange em comprometer o presente e o futuro do País.
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Na quarta-feira 6, ao mesmo tempo em que o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) lia as 128 páginas do relatório que concluiu pela admissibilidade do pedido de impeachment contra a presidente, os defensores do Planalto tentavam conquistar votos pró-Dilma nos corredores da Câmara. Às claras. Assim se deu, por exemplo, quando o deputado André Abon (PP-AP) abordou o colega Sílvio Costa (PTdoB-PE), vice-líder do governo. “Tudo certo?”, perguntou Costa. “Falta assinar”, disse Abdon. “Então, está tudo resolvido”, afirmou o vice-líder. Costa é dos encarregados de negociar, no varejo, votos para tentar derrubar, no plenário, o pedido de impeachment da presidente. ISTOÉ perguntou a Costa se o assunto com Abdon era o voto contra o afastamento da chefe do Executivo. O parlamentar não titubeou. “É claro”, respondeu sem detalhar, no entanto, o que fora negociado. O pernambucano é quem anota as adesões e dissidências num papelzinho que carrega no bolso do paletó. “Posso ver o placar?”, indagou a reportagem. “Tá de brincadeira, meu líder?!” Em meio ao balcão de negócios que tomou conta dos corredores do poder em Brasília, há suspeitas de práticas nada republicanas. Ao longo da semana, circulou a informação de que os deputados Heitor Schuch e José Stédille, ambos do PSB do Rio Grande do Sul, teriam sido abordados por aliados do Palácio do Planalto com oferta de dinheiro para apoiar a presidente. A bancada do PSB se reuniu para cobrar explicações. Eles negaram. Um deputado de um partido da base aliada, no entanto, assegurou à ISTOÉ que a oferta foi feita. O valor: R$ 2 milhões pelo voto pró-Dilma.
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Na nova modalidade do mensalão, o principal operador não tem cargo, ao contrário de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e Delúbio Soares, então tesoureiro do PT. Atua como um agente estranho ao Estado, mas em nome do Estado, e fazendo promessas de algo que, ao menos oficialmente, não poderia entregar. Esse papel é exercido pelo ex-presidente Lula, com as ajudas providenciais de Jaques Wagner e do ministro Ricardo Berzoíni.. Após ter sua nomeação para a Casa Civil barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, o petista transformou uma suíte de um hotel de luxo em Brasília numa espécie de QG do mensalão do impeachment. Durante as conversas, não se perde um minuto de prosa para discutir políticas públicas ou projetos para o andamento do País. No local, onde ele tem recebido uma romaria de políticos, o samba é de uma nota só: os votos pró-Dilma. O toma la, da cá, que nos governos anteriores era promovido com uma roupagem mais republicana, agora é embalado pelo mais puro pragmatismo político. Quem oferece mais votos sai com a promessa de um cargo num escalão mais alto. Daqueles com caneta, verba e tinta. Ou com uma emenda mais polpuda. Sem disfarçar, o ex-presidente Lula fala e age em nome do governo. Claro que nem tudo é escancarado. Duas precauções foram tomadas para evitar o flagrante das negociatas. Primeiro as câmeras do corredor do ex-presidente foram cobertas, impedindo o registro de quem circula no local – uma medida preventiva de quem possui experiência no assunto. Ainda está fresco na memória do PT as cenas filmadas dentro do quarto de um outro hotel em Brasília do ex-ministro José Dirceu negociando cargos com integrantes do alto escalão da República, antes de ser preso no escândalo do Petrolão. Outra medida adotada foi reservar as madrugadas para a intensificação das negociações. É o período onde o fluxo de parlamentares e ministros é mais intenso.
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Nem sempre o fechamento do negócio é celebrado nas dependências do hotel localizado às margens do lago Paranoá em Brasília. Para obter o apoio do ministro dos Portos, Helder Barbalho (PMDB-PA), e de seu pai, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), Lula precisou alterar a rotina. Teve de visitar o paraense em sua própria residência, no dia seguinte à decisão do PMDB de deixar o governo. O esforço, ao menos para o PT, foi válido. Em jogo, estavam não apenas o eventual voto do senador, mas o de duas deputadas peemedebistas: sua esposa, Simone Morgado, e sua ex-mulher, Elcione Barbalho. O acordo foi fechado. A contrapartida oferecida pelo PT à família Barbalho é generosa: neste ano, Helder administrará um orçamento de aproximadamente R$ 3,2 bilhões para obras portuárias no Pará, estado do qual ele é pré-candidato a governador. Além disso, Jader conseguiu emplacar a indicação de seu antigo rival e hoje correligionário, o ex-senador e até então secretário-executivo da pasta comandada por Helder, Luiz Otávio Campos, para o comando da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Graças ao regalo obtido, Barbalho se tornou um dos mais ativos articuladores dentro do PMDB a favor de Dilma. Atua afinado com outro governista de carteirinha: o líder na Câmara, Leonardo Picciani. Sua sede desmedida por cargos lhe rendeu a alcunha de “rei do fisiologismo”.
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Outro cacique do Senado que se dobrou às promessas de Lula foi o presidente nacional do Partido Progressista, Ciro Nogueira. Recentemente, ele foi alçado à condição de articulador oficial e, em incontáveis reuniões, levou ofertas a diversos aliados e indecisos. A negociação rendeu frutos ao governo: ele conseguiu postergar a decisão da bancada do partido - que conta com 51 deputados e seis senadores - sobre aderir ou não ao impeachment. Ciro é um dos mercadores pelo PP no balcão de negócios. Na Câmara, o PP conta com os préstimos de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já se posicionou declaradamente contra o impeachment. Exercem papel idêntico, só que pelo PR, o ministro de Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, e o ex-ministro e hoje deputado Alfredo Nascimento (PR-AM). São responsáveis pelo corpo-a-corpo com os parlamentares. Na retaguarda encontra-se o mensaleiro Valdemar Costa Neto, hoje de tornozeleira por estar na condicional, a quem cabe abençoar as decisões. Pelo PSD, quem arregimenta a tropa governista é o ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Como o ex-prefeito de São Paulo não costuma dar um passo sequer sem combinar com seu padrinho político, o senador tucano José Serra, cabe a pergunta: de que lado estaria Serra neste momento? No PT, o mais aguerrido na busca por votos para Dilma é o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Além de cargos no governo, também estão em negociação a ocupação do comando de comissões estratégicas na Casa e relatorias importantes. Segundo um empresário que esteve na capital federal na última semana, a investida petista têm sido feita prioritariamente sobre deputados cuja base eleitoral fica localizada no interior do País. O Planalto dispõe de levantamentos mostrando que esses parlamentares são menos expostos às pressões do eleitorado. Por estarem mais presos às conveniências paroquiais, ficam mais suscetíveis às benesses do poder. Para estes, uma emenda ou cargo possuem um peso decisivo numa futura eleição.
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As indecorosas pressões, no entanto, ainda não têm sido suficientes para reverter o placar ainda favorável ao impeachment. Pior: podem configurar mais um crime praticado por este governo – ou por representantes dele. Para o cientista político Bolívar Lamounier, Lula adota uma prática criminosa passível de prisão. Na última quarta-feira 7, Lamounier enviou ao procurador-¬geral da República, Rodrigo Janot, um ofício em que sugere a prisão preventiva do ex¬-presidente por “orquestrar e conduzir” a compra de votos de deputados federais. “Que se trata de uma prática criminosa, não há dúvida”, afirmou. Para o estudioso, a investida de Lula é mais danosa ao erário do que as ações dos coronéis que transformaram municípios do interior do País em feudos eleitorais.“Justiça seja feita, por execráveis que fossem suas ações de aliciamento eleitoral, eles as praticavam com recursos próprios, não com cargos e verbas públicas, como ocorre atualmente nas dependências do hotel brasiliense”.
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O afastamento da presidente ainda é o cenário mais provável. A oposição, no entanto, mantém a mobilização temendo eventuais baixas. Na quinta-feira 7, o mapa do impeachment produzido pelos parlamentares de oposição André Moura (PSC-SE) e Mendonça Filho (DEM-PE) contabilizava 353 votos pró-impeachment, 131 favoráveis ao governo e 29 indecisos – onze a mais do que o necessário. Já na Comissão Especial que decidirá nesta semana se o processo deve ou não seguir para o Plenário, o cálculo é de que a oposição tenha 38 votos - quatro a mais. Horas antes de fechar o relatório diário, Moura se reuniu com o vice-presidente Michel Temer (PMDB), em Brasília, a quem constantemente abastece com atualizações sobre a radiografia do voto. “O que nós observamos é que quando algum indeciso decide votar com o governo, é porque ele foi cooptado. Eles mesmos admitem isso. Mas quando eles apoiam o impeachment, é ideológico”, afirmou o líder do PSC.
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Uma das principais baixas sofridas pelo governo, nos últimos dias, foi o afastamento do Partido Republicano Brasileiro (PRB). A sigla tem declarado apoio crescente ao impeachment e esteve em peso no ato que anunciou a adesão majoritária da bancada evangélica à causa, na última quarta-feira 6. Entre os representantes, estavam João Campos (PRB-GO), Rosângela Gomes (PRB-RJ) e Tia Eron (PRB-BA). O presidente nacional da sigla, Marcos Pereira (PRB-SP), conta que nem a oferta de dois ministérios de Dilma, intermediada pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI), foi capaz de devolver o partido à base. “Ficaríamos muito desmoralizados. Além disso, nós fizemos uma pesquisa em São Paulo e mais de 70% dos eleitores criticaram nosso apoio ao governo”, explicou Pereira. Outro problema enfrentado pelo Planalto, além da debandada de aliados às vésperas da votação em plenário, é o que se pode chamar de overbooking de cargos. É que entre os próprios parlamentares soube-se que o governo estava oferecendo um mesmo cargo para vários políticos. Como Dilma prometeu honrar os compromissos apenas depois da votação do impeachment na Câmara, o clima de desconfiança paira no ar. Dos dois lados do balcão. “Tem gente vendendo terreno no céu. Prometem o que não podem entregar”, afirmou à ISTOÉ um parlamentar que pediu para não ser identificado. Em meio às negociatas e traficâncias do poder, resta saber quem vai trair quem. Que a vítima da traição não seja o povo brasileiro.
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Propina de R$ 10 milhões financiou campanha de Dilma de 2014, diz Andrade Gutierrez
Finalmente, explodiu a primeira bomba que estava no forno.
A Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do Brasil, fez doações legais às campanhas de Dilma Rousseff e de seus aliados em 2010 e 2014 utilizando propinas oriundas de obras superfaturadas da Petrobras e do sistema elétrico.
A informação revelada pela Folha S. Paulo consta da delação premiada do ex-presidente da empresa Otávio Marques de Azevedo e foi sistematizada por ele em uma planilha apresentada à Procuradoria-Geral da República.
Segundo o jornal, o ex-presidente e o ex-executivo Flávio Barra detalharam a planilha em depoimentos ocorridos em fevereiro, enquanto negociavam a delação que espera homologação no Supremo Tribunal Federal.
Seguem trechos da matéria:
“É a primeira vez que é descrito por um empresário o esquema revelado pela Operação Lava Jato, de financiamento de partidos por meio de propinas de contratos públicos legalizadas na forma de doação eleitoral.
Em 2014, a Andrade Gutierrez doou R$ 20 milhões para o comitê da campanha de Dilma. Na tabela, que inclui também doações em 2010 e 2012, cerca de R$ 10 milhões doados às campanhas de Dilma estão vinculados à participação da empreiteira em contratos de obras públicas, segundo a Folha apurou.
Não está claro se o valor endereçado a Dilma foi doado ao comitê ou ao Diretório Nacional do PT.
Segundo Azevedo disse a procuradores, a propina que abasteceu a campanha tinha origem em contratos da empreiteira para a execução das obras do Complexo Petroquímico do Rio, a usina nuclear de Angra 3 e a megahidrelétrica de Belo Monte – que estão entre as dez maiores do Programa de Aceleração do Crescimento, vitrine petista.
Azevedo traçou uma divisão na composição das doações oficiais. Segundo ele, existia a parte dos ‘compromissos com o governo’ por atuar nas obras –isto é, propina– e a parte ‘republicana’, ou seja, a ação institucional em forma de doação.
A tabela também relaciona valores para as campanhas de Dilma em 2010 e para o Diretório Nacional do PT na eleição municipal de 2012. Não há citação à campanha dos adversários tucanos de Dilma.”
Não vai dar para dividir esse escândalo, querida.
Estádios da Copa
“A delação da Andrade Gutierrez engloba ainda pagamento de propinas relacionadas a obras executadas em estádios da Copa do Mundo de 2014, como Maracanã, Mané Garrincha e Arena Amazonas, e atinge não só o PT mas também o PMDB”.
Esse escândalo até dá para dividir. Mas os arrecadadores citados são os seus, querida. Impeachment é pouco para a senhora.
“A negociação para estruturar o esquema teve participação, segundo a Folha apurou, de Antonio Palocci Filho, o homem-forte da campanha de Dilma em 2010.
Para os delatores, Palocci era o ‘representante do governo’ e de Erenice Guerra, ex-ministra-chefe da Casa Civil e braço-direito de Dilma quando a obra de Belo Monte estava em gestação.”
O Belo Monte de propina do PT, como antecipei aqui.
“Segundo a delação, foi a partir de Belo Monte que o esquema de pagamentos ganhou escala. A Andrade e a Odebrecht foram responsáveis pelos estudos prévios do projeto da usina.” 
E quem era o fiscal dessa obra? Quem?
Entenda porque Dilma cometeu o crime das “pedaladas fiscais”- e FHC e Lula não
1) Imagine que você dê 2.000 reais por mês a uma empregada para fazer as suas compras de supermercado.
Com os preços em alta, a última compra do mês dá 250 reais, mas ela nota que só sobraram 50 reais do dinheiro que você havia dado.
Como ela sabe que não tem mais comida na sua geladeira, ela tira 200 reais do próprio bolso para ajudar você a pagar a conta.
No dia seguinte, ela lhe mostra as notas das compras, informa que gastou 200 reais do próprio dinheiro e você repõe o valor.
Ou seja: você paga 200 reais à empregada para quitar a sua dívida com ela – e almoça feliz.
Se você não tem o dinheiro na hora, diz que paga no dia seguinte ou depois, mas logo paga.
E ela aceita, sem problemas, porque vocês já têm uma relação antiga de confiança.
Isto é uma coisa.
2) Agora imagine que sua empregada gaste os 2.000 reais das compras do mês e você não reponha nem um centavo do valor.
No mês seguinte, mais uma vez ela gasta 2.000 reais, enquanto você compra presentes aos amigos, prometendo-lhes mais presentes para o ano que vem.
No outro mês, de novo. Mais um mês igual. E outro. E vários outros também, sem reposição.
Por mais de um ano, a empregada paga todas as suas compras de supermercado, enquanto você promete mundos e fundos aos outros, literalmente.
Sem querer, ela passa a financiar uma parte das suas despesas, enquanto você usa em novas despesas o dinheiro que deveria cobrir essa parte.
Isto é coisa bastante distinta do caso 1.
Na vida real, claro, a empregada já teria pedido demissão e talvez entrado com uma ação na Justiça.
3) A Caixa Econômica Federal é a “empregada” do governo.
O banco público é contratado para realizar os pagamentos dos benefícios de parte da população brasileira, como abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família. Obviamente, precisa ser remunerado pelos serviços prestados.
Assim como você dá 2.000 reais à empregada para as compras do mês, o governo dá, por meio do Tesouro Nacional, 500 milhões de reais à Caixa para realizar os pagamentos de benefícios. O valor, assim como o do supermercado, é uma estimativa dos custos.
Se no dia do pagamento final, aparecerem pessoas para sacar um total de 505 milhões de reais, a Caixa não vai fechar o guichê às 15h40 e dizer que não tem dinheiro. Ela paga os 5 milhões de reais faltantes, no dia seguinte comunica ao Tesouro, e o Tesouro repõe o valor.
Na época de FHC e Lula, isto aconteceu algumas vezes e os valores foram logo repostos, assim como você repôs o gasto da sua empregada.
Isto é parte da relação contratual entre o governo e a Caixa.
4) Já Dilma Rousseff deixou a “empregada” arcando com praticamente todas as referidas despesas do governo a partir do segundo semestre de 2013 e durante todo o ano eleitoral de 2014, enquanto gastava os bilhões de reais devidos à Caixa em programas eleitoreiros, prometendo mundos e fundos ao povo para 2015, 2016, 2017 e 2018.
Isto não é só bastante distinto dos casos de Lula e FHC. Isto foi inédito na história do Brasil.
A Caixa foi forçada a financiar o governo por causa do procedimento que ficou conhecido como “pedaladas fiscais”.
O rombo produzido em 2014 foi tão grande que Dilma continuou deixando de quitar sua dívida (“pedalando”, portanto) com a “empregada” em 2015.
Resultado 1: a Caixa entrou na Justiça contra o governo no ano passado para reaver pelo menos 274 milhões de reais.
Resultado 2: o processo de impeachment de Dilma foi aberto, incluindo a denúncia das “pedaladas”.
Resultado 3: o governo Dilma decretou sigilo sobre o tamanho exato da dívida e quem são os devedores de taxas destinadas à Caixa por conta da administração de fundos e programas sociais.
Ou seja: o governo ameaçado de impeachment ainda tenta acobertar os crimes que cometeu.
5) O site “Aos Fatos” publicou nesta segunda-feira a seguinte manchete:
“Dilma ‘pedalou’ 35 vezes mais que Lula e FHC juntos”.
A matéria inclui tabelas que mostram quando houve atraso nos pagamentos feitos pelos governos FHC, Lula e Dilma à Caixa Econômica Federal e quanto cada um deles ficou devendo na ocasião à “empregada” (para usar a metáfora deste blog).
Ou seja: igualou a natureza dos atrasos nos três casos e somou os valores da dívida de cada um.
FHC atrasou quatro vezes —  uma em setembro de 1996 e três em 2002 (janeiro, abril e junho) — , totalizando R$ 433,2 milhões.
Lula atrasou três vezes  —  em setembro e novembro de 2003, e novembro de 2006 — , totalizando R$ 500 milhões.
Caixa FHC Lula
Dilma “foi quem teve, disparado, o saldo mais negativo na Caixa: R$ 33 bilhões, com 19 “pedaladas” em todos os anos de seu governo, mais notoriamente em 2014 (oito vezes), ano de sua reeleição. Os dados cobrem até outubro de 2015.”
Caixa Dilma
Dilma pedala grafica Caixa
O site de verificação de fatos classifica então como “exagerada” a seguinte afirmação de Dilma (que também é a base da defesa feita por José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, na comissão especial do impeachment):
“O meu impeachment, baseado nisso, significaria que todos os governos anteriores ao meu teriam de ter sofrido impeachment, porque todos eles, sem exceção, praticaram atos iguais ao que eu pratiquei, e sempre com respaldo legal.”
Este blog, no entanto, classifica como simples mentira esta afirmação de Dilma e como impreciso o título da matéria do site “Aos fatos” (ainda que meritória em suas informações).
A diferença das manobras de Dilma para as de Lula e FHC não é (só) de grau, mas de natureza.
6) Entrevista
Sendo assim, este blog fez a seguinte entrevista com o procurador Julio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público de Contas, responsável pelo relatório sobre as irregularidades fiscais de Dilma que levou à reprovação das contas de 2014 do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU):
Felipe Moura Brasil: O senhor havia negado, em entrevista à BBC em setembro de 2015, que as pedaladas fiscais já tinham sido usadas antes em volumes menores, porque, na verdade, o Tesouro basicamente repunha o valor devido pelo governo à Caixa. Ou seja: dizer que Dilma pedalou 35 vezes mais que FHC e Lula, na verdade, é uma força de expressão porque a própria natureza das manobras é distinta, correto?
Julio Marcelo: Exato. Pequenos saldos devedores, de dois a três dias de duração, não é pedalada porque não tem a finalidade de obtenção de um financiamento forçado junto ao banco público federal, é apenas a regular relação contratual entre Tesouro e o banco prestador do serviço.
O que a Presidente Dilma fez e que seus antecessores não fizeram foi sistemática e deliberadamente deixar de enviar bilhões de reais a esses bancos e exigir que eles suportassem obrigações do Tesouro com seus próprios recursos, usando-os como cheque especial.
Com esse artifício, inédito, ela direcionou esses bilhões para outras despesas com forte impacto eleitoral, como o FIES, que teve sua dotação ampliada de 5 bilhões em 2013 para mais de 12 bilhões em 2014, ano eleitoral, voltando a cair para menos da metade em 2015. As pedaladas de 2015 resultaram do imenso rombo produzido em 2014, com direito a algum agravamento.
Felipe Moura Brasil: O sigilo decretado pelo governo sobre dados das “pedaladas” pode esconder algo mais que ainda não foi observado pelo MP de Contas e pelo TCU?
Julio Marcelo: O governo está devendo tarifas à Caixa pela prestação de serviços. Esse valor deve estar aumentando. O sigilo é indevido e absurdo.
Felipe Moura Brasil: O que os parlamentares devem considerar na análise das “pedaladas”?
Julio Marcelo: Uma coisa que merece destaque é que não existe nenhuma necessidade de o TCU examinar as pedaladas de 2015 para que elas sejam consideradas pelos parlamentares para o impeachment. Porque a Constituição não exige. Nenhuma lei exige. O que interessa são os fatos. O TCU ter falado de 2014 apenas reforça. Imagine que ela (Dilma) cometa um crime de responsabilidade hoje, então só quando o TCU examinar em 2017 alguém vai poder apontar o crime? As contas de 2015 nem foram prestadas ainda ao TCU, mas os atos praticados têm suas consequências independentemente disso.
Exato.
Dilma tem de ser demitida já.
7) Crime de responsabilidade
Este blog acrescenta trechos do pedido de impeachment assinado por Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr. (íntegra aqui):
“As operações de crédito firmadas com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil não só não estavam autorizadas, como eram expressamente vedadas pelo artigo 36, ‘caput’, da Lei de Responsabilidade Fiscal, in verbis:
Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
(…) Também o artigo 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal veda expressamente a realização de crédito por antecipação, enquanto existir operação da mesma natureza não resgatada, sendo certo que coíbe esse tipo de operação no último ano de mandato do Presidente, do Governador ou do Prefeito Municipal. Confira-se:
‘Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
(…)
IV – estará proibida:
a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.’
Ainda que o Governo Federal estivesse autorizado a realizar operações de crédito com bancos públicos (e não está), jamais poderia efetuá-las, sucessivamente, ou seja, sem resgatar as anteriores e, frise-se, em nenhuma hipótese, poderia ter aceitado a antecipação de receita no último ano de mandato da Presidente da República, como ocorrera no caso dos autos. A proibição, portanto, é tripla!
Como consignado na denúncia, além de caracterizar crimes comuns, as chamadas pedaladas fiscais caracterizam crimes de responsabilidade, uma vez que o artigo 85 da Constituição Federal determina que:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
(…) V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
(…) A Lei 1.079/50, por sua vez, que confere concretude material e formal a esse dispositivo constitucional, estatui, em seu artigo 4º.:
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
(…) V – A probidade na administração;
VI – A lei orçamentária;
Nota-se que tanto a Constituição Federal,  assim como o artigo 4º. da Lei 1.079/50, dizem ensejar oimpedimento do Presidente da República o fato de este atentar contra a probidade na Administração e contra a lei orçamentária.
No entanto, por força de alterações ocasionadas pela Lei 10.028/00, a clareza da ocorrência do crime de responsabilidade resta ainda maior, pois o artigo 10 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:
(…) 6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;
7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;
8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;
9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;
(…) Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos:
(…) 3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal;
Desde logo é importante consignar que o simples fato de ter a Presidente descumprido os comandos dos artigos 36 e 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, mediante tal prática, incorrido nos crimes capitulados nos artigos 359-A e 359-C do Código Penal, já seria suficiente para caracterizar o crime de responsabilidade. No entanto, as práticas constatadas pelo Tribunal de Contas da União realizam, perfeitamente, os crimes previstos na Lei 1.079/50.”
  • 4 abr 2016
  • O Globo
  • noblat@ oglobo. com. br RICARDO NOBLAT www. oglobo. com. br/ noblat www. twitter. com/ blogdonoblat www. facebook. com/ blogdonoblatoglobo

Dilma acena com governo pior

“Jamais renunciarei”.
Dilma
Nem o governo comemorará uma eventual vitória. Em meados de agosto de 1992, o empresário alagoano Paulo Cesar Farias, conhecido como PC Farias, ex- tesoureiro da campanha do então presidente da República Fernando Collor e eminência parda do governo, procurou em Brasília o também empresário Luiz Estevão de Oliveira, seu amigo e parceiro em negócios, e pediu- lhe um favor especial: que guardasse no cofre de sua casa uma alta soma em dinheiro vivo.
ARTE DE ANTONIO LUCENA
O DINHEIRO
serviria para aliciar votos de deputados e senadores dispostos a derrotar um eventual impeachment de Collor. O governo fracassara no combate à inflação. E fora atingido por denúncias de corrupção que estavam sendo investigadas por uma CPI do Congresso. As ruas exigiam a queda de Collor. Só lhe restava comprar apoios com dinheiro, cargos e promessas.
A CADA
telefonema de PC Farias, Luiz Estevão sacava dinheiro do cofre e providenciava sua entrega ao parlamentar indicado. A 10 dias da votação do processo na Câmara, PC parou de telefonar. Havia dinheiro de sobra no cofre, mas já não havia deputados à venda. Em 29 de setembro, o impeachment foi aprovado por 441 de um total de 509 deputados. O Senado cassou o mandato de Collor em 29 de dezembro.
O DESFECHO,
agora, do segundo pedido de impeachment da história recente do país passará pela decisão a ser tomada por um grupo de 40 deputados que se diz indeciso. Se, ao fim e ao cabo, 342 deputados de um total de 513 disserem “sim” ao impeachment, caberá ao Senado julgar Dilma por crime de responsabilidade. Se apenas 172 deputados disseram “não” ou se abstiverem de votar, o processo estancará na Câmara.
PARA SALVAR
Dilma, não se descarte a compra de votos mediante dinheiro em espécie. Outras moedas começaram a ser usadas — oferta de ministérios e cargos em diversos escalões do governo, liberação de emendas ao Orçamento para a realização de obras em redutos eleitorais de deputados, e promessas de ajuda em tribunais superiores para os encrencados com a Lava- Jato ( Alô, alô, Renan Calheiros!).
ACOSTUME- SE
com a insignificância das siglas destinadas a conduzir áreas estratégicas da administração pública: PTN, PHS, PSL, PEN e PT do B. Elas têm 32 deputados. PP, PR, PSD e PRB são considerados partidos da segunda divisão, mas reúnem 146 deputados. O PRB do mensaleiro Valdemar Costa Neto, condenado a sete anos de prisão, será agraciado com o Ministério de Minas e Energia.
NA BOLSA
informal de valores do Clube da Falsa Felicidade, o outro nome pelo qual o Congresso é chamado em Brasília, pagou- se R$ 400 mil na semana passada para o deputado que se abstivesse de votar o impeachment. Ao que votasse contra, R$ 1 milhão. O mercado está com viés de alta. A oposição parece mais perto de atrair 342 votos a favor do impeachment do que o governo 171 contra.
UMA POSSÍVEL
vitória do governo não será comemorada nem mesmo por ele. Há pedidos de impeachment na fila da Câmara. A Justiça examina a impugnação da chapa Dilma- Temer por uso de dinheiro sujo. E se agrava a maior recessão econômica que o país já conheceu desde o início do século passado. Como Dilma enfrentará tudo isso com um governo muito pior do que o atual?
ISOLADA NO
Palácio do Planalto, transformado em aparelho político, Dilma recusa saídas que poderiam deixá- la menos mal com a História — a renúncia ou a convocação de novas eleições gerais. Tenta controlar os nervos à base de calmantes.