O EXTRA teve acesso ao
teor de um documento classificado como sigiloso pela Secretaria de Segurança do
Rio, que só poderá ser tornado público, no mínimo, em 2021. A preocupação em
esconder a informação tem explicação: é a primeira vez que o estado quantifica
e mapeia as áreas que estão sob o controle de grupos armados. E o número de territórios onde a Constituição brasileira não vale nada é
alarmante: 843.
Para se ter uma ideia
do tamanho do problema, só as dez regiões mais violentas somam uma área de 23km
quadrados. Maior do que o município de Nilópolis, que tem 19km quadrados.
Chamadas de
“territórios controlados ilegalmente”, as regiões não englobam somente favelas,
mas também conjuntos habitacionais, imóveis específicos e até algumas vias
urbanizadas.
O mapeamento foi feito
entre os anos de 2015 e 2016 por analistas do Instituto de Segurança Pública
(ISP), com base em informações levantadas pela Polícia Militar, Subsecretaria
de Inteligência (Ssinte) e Disque-Denúncia.
Cada uma dessas áreas,
segundo um dos autores do mapeamento, o geógrafo Luciano de Lima Gonçalves, é
“um perímetro onde grupos criminosos agem ostensivamente, circulam
frequentemente exibindo armas e praticando crimes, como o tráfico de drogas”. O
levantamento serviu de base para o estudo “Letalidade violenta e controle
ilegal do território no Rio de Janeiro”, assinado por Gonçalves, que procura
demonstrar como a dominação de áreas pelo crime organizado tem influência sobre
o número de mortes violentas no estado.
Para isso, o geógrafo,
que também é pesquisador do ISP, posicionou num mapa as localizações exatas de
cada assassinato ao longo de 2016. Dos 6.262 crimes do tipo registrados no
estado, 1.023 — ou um sexto — aconteceram dentro dos perímetros onde a lei não
entra. Procurada pelo EXTRA, a Secretaria de Segurança alegou que “não comenta
informações de inteligência”.
UPPs em seis das dez áreas mais violentas
Diversas áreas que o
estado já considerou “pacificadas” estão na lista de territórios dominados por
grupos armados mapeadas pela Secretaria de Segurança. E são maioria no ranking
das localidades mais violentas. Das dez áreas com mais vítimas de homicídios,
latrocínios (roubos seguidos de mortes), lesões corporais seguidas de mortes e
autos de resistência — em suas formas consumadas e tentadas —, seis abrigam
bases de UPPs.
A área que encabeça a
lista, com mais de 70 vítimas em 2016, é a Cidade de Deus, na Zona Oeste, que
tem uma UPP desde 2009. A Mangueirinha — única comunidade fora da capital com
uma unidade, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense — ocupa a segunda
posição, com 50 vítimas. Também aparecem na lista o Complexo do Alemão, a
Mangueira e o Jacarezinho, na Zona Norte, e a Vila Kennedy, na Zona Oeste.
No estudo, o
pesquisador também calcula as mortes violentas que ocorreram num perímetro de
até 100m fora das 843 áreas. Segundo Gonçalves, esses territórios também sofrem
influência de grupos armados. Contabilizando os crimes dessas regiões, o número
de assassinatos salta de 1.023 para 1.628.
Fonte: Jornal EXTRA