Condomínio Portogalo, em Angra dos Reis, na Costa Verde.
O sargento reformado
Ronnie Lessa, de 48 anos, preso na manhã desta terça-feira acusado de ser o
responsável pelos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e o
motorista Anderson Gomes, frequentava uma mansão de luxo no condomínio
Portogalo, em Angra dos Reis, na Costa Verde. O local ficou famoso na década de
1990, quando o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna comprou uma casa lá. A mansão,
que tem uma lancha em seu interior, foi rastreada por agentes da Delegacia de
Homicídios e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) do MP do Rio durante a investigação. Lessa ganhava uma aposentadoria
bruta de R$ 8.191,53. Com os descontos, o valor líquido chegou, no último mês
de fevereiro, a R$ 7.463,86.
Os agentes se
surpreenderam com a quantidade de bens do policial. Lessa foi preso em sua casa
no condomínio Vivendas da Barra, na Avenida Lúcio Costa, 3.100, Barra da
Tijuca. O local, por coincidência, é o mesmo onde o presidente da República,
Jair Bolsonaro (PSL), mora. O condomínio fica de frente para o mar, com
seguranças na portaria. No local, os agentes apreenderam o carro de Lessa, um
Infiniti FX35 V6 AWD blindado. O modelo custa em média R$ 120 mil. Os agentes também
descobriram que o policial viajava com frequência para o exterior.
Segundo a promotora
Simone Sibílio, coordenadora do Gaeco, Lessa e Élcio de Queiroz, o outro preso
pelo crime, estiveram na casa em Angra durante o carnaval.
— Enquanto nós estávamos
trabalhando no caso durante o carnaval, os dois estavam em Angra, se divertindo
com uma lancha — afirmou a promotora.
Lessa é um caveira — como
são conhecidos os agentes que tem o curso de Operações Especiais. Ele foi
promovido, na década de 1990, por ato de bravura na PM. Por isso, teve o
salário aumentado, à época, em 40% por ser um dos agentes agraciados com a
premiação por pecúnia. A gratificação foi criada em 1995, durante o governo
Marcello Alencar, para premiar quem participava de grandes operações. Ela
acabou após três anos de polêmica, já que o número de homicídios subiu no
estado, o que fez o bônus ser apelidado de "gratificação faroeste".
Ninguém jamais havia investigado Ronnie Lessa.
Embora os corredores das delegacias conhecessem a fama do sargento reformado,
de 48 anos, associada a crimes de mando pela eficiência no gatilho e pela
frieza na ação, Lessa era até a operação desta quarta-feira um ficha limpa.
Egresso dos quadros do Exército, foi incorporado à Polícia Militar do Rio em
1992, atuando principalmente no 9º BPM (Rocha Miranda), até virar adido da
Polícia Civil, trabalhando na extinta Delegacia de Repressão a Armas e
Explosivos (DRAE), com a mesma função da atual Desarme, na Delegacia de
Repressão à Roubo de Cargas (DRFC) e na extinta Divisão de Capturas da Polinter
Sul. A experiência como adido foi o motor da carreira mercenária de Lessa.
Também foi preso o ex-PM
Elcio Vieira de Queiroz por envolvimento no crime. Segundo a denúncia do MP do
Rio, Lessa teria atirado nas vítimas, e Elcio era quem dirigia o Cobalt prata
usado na emboscada. Elcio de Queiroz foi expulso da corporação.
Arregimentado por contraventor
Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra Marielle,
e Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro.
Lessa, como outros adidos,
conhecia mais das ruas do que qualquer policial civil. Logo, destacou-se e
ganhou respeito pela agilidade e pela coragem na solução dos casos. Esta fama,
segundo os bastidores da polícia, chegou aos ouvidos do contraventor Rogério
Andrade, na época cada vez mais ocupado em fortalecer o seu exército numa
sangrenta disputa territorial com o também contraventor Fernando Iggnácio de
Miranda. Em jogo, o legado do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997.
Arregimentado por
Andrade, Lessa não demorou a crescer na organização e ocupar o destacado posto
de homem de confiança do chefe. Até que, em abril de 2010, a explosão de uma
bomba no carro do bicheiro não apenas matou o filho dele, Diogo Andrade, de 17
anos, como fulminou a credibilidade de Lessa junto ao chefe, por não conseguir
protegê-lo, assim como sua família. O guarda-costa e exímio atirador foi
incapaz de evitar a morte do jovem.
Chama atenção que o
método de detonação da bomba usada no atentado que matou o filho do contraventor,
segundo peritos da época, foi o mesmo usado no atentado ao sargento da PM, em 2
de outubro de 2009. Na ocasião, o sargento perdeu a perna. Um laudo do
Esquadrão Antibombas da Polícia Civil revelou que para explodir o Toyota
Corolla blindado de Andrade foi usado um dispositivo acionado à distância por
meio de um telefone celular.
Com a sua reforma por
invalidez, Lessa acabou deixando de ser adido, mas ainda frequentava as
delegacias da Polícia Civil, principalmente a antiga Delegacia de Repressão a
Armas e Explosivos (DRAE). Até que, em 2011, ciente da migração dos adidos para
as fileiras do crime, a Secretaria de Segurança do Estado vetou para sempre a
cessão de quadros da PM para a Polícia Civil e acabou com a DRAE. A medida foi
resultado da Operação Guilhotina da Polícia Federal, que investigou a corrupção
policial envolvendo policiais civis e os adidos, além de integrantes da cúpula
da instituição.
Com as portas fechadas na
polícia, o ambiente mafioso tornou-se um caminho sem volta para Lessa. A mira
certeira, decisiva para a expansão territorial de Rogério Andrade, foi também o
passaporte do ex-sargento para a organização criminosa formada por matadores de
aluguel, considerada mais temida e eficiente do Rio. Segundo a investigação,
Lessa atuava junto com o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, um dos
fundadores do Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel alvo da
operação Os Intocáveis, do Ministério Público. Adriano está foragido até hoje.
Num cenário em que o dinheiro
da corrupção garantia a impunidade destes mercenários, Lessa nem sequer se dava
ao trabalho de agir às sombras. Para agenciá-lo, bastava dar uma passada no bar
onde o ex-adido fazia ponto no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.
Uma opinião unânime assombra
os que conheceram Lessa pessoalmente. Há quem diga que ele é capaz de tudo para
cumprir as empreitadas criminosas, sem medir as consequências. Hábil no manejo
principalmente de fuzis, é conhecido por gostar de atirar sentado, embora uma
prótese moderna disfarce bem o problema físico quando em pé. Jamais volta para
a base sem ter cumprido o que fora acertado com o contratante.
Prisões
Segundo informações
obtidas pelo G1, Ronnie e Élcio estavam saindo de suas casas quando foram
presos. Eles não resistiram à prisão e nada disseram aos policiais.
Os policiais estavam de
tocaia na porta do condomínio de Ronnie desde as 3h. Às 4h, quando ele saiu de
casa, acabou sendo preso. Segundo os agentes da Divisão de Homicídios que
participaram da prisão, por saber que os mandados geralmente são cumpridos às
6h, Lessa tentou sair de casa ainda de madrugada para dormir em outro lugar e
escapar da polícia.
O PM reformado foi preso
em sua casa em um condomínio na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, o
mesmo onde o presidente Jair Bolsonaro tem residência. O ex-PM Élcio mora na
Rua Eulina Ribeiro, no Engenho de Dentro, Zona Norte.
A 'Operação Lume' cumpriu
ainda 32 mandados de busca e apreensão contra os denunciados para apreender
documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios,
munição e outros objetos.
Após a prisão do PM
Ronnie, agentes fizeram varredura no terreno da casa dele e encontraram armas e
facas. Detectores de metais foram usados para vasculhar o solo, e até uma caixa
d'água passou por vistoria.
Crime planejado
Os presos foram levados à
Divisão de Homicídios, na Barra da Tijuca, por volta das 4h30. De acordo com os
promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco),
o crime foi meticulosamente planejado durante três meses.
A investigação aponta que
o PM reformado Ronnie Lessa fez pesquisas na internet sobre locais que a
vereadora frequentava. Os investigadores sabem ainda que, desde outubro de
2017, o policial também pesquisava a vida do deputado federal Marcelo Freixo.
Ronnie teria feito
pesquisas sobre o então interventor na segurança pública do Rio, general Braga
Netto, além de buscas sobre a submetralhadora MP5, que pode ter sido usada no
crime.
A polícia afirma ainda
que o PM usou uma espécie de "segunda pele" no dia do atentado. A
malha que cobria os braços serviria, segundo as investigações, para dificultar
um possível reconhecimento.