O VOTO E O CORONEL
Chico Heráclio, o mais famoso
coronel do Nordeste, mandava e desmandava em Limoeiro, Pernambuco.Era o senhor
da terra, do fogo e do ar. Ou obedecia ou morria.
Fazia eleição como um pastor. Punha o rebanho em
frente à casa e ia tangendo, um a um, para o curral cívico. Na mão, o envelope
cheinho de chapas. Que ninguém via, ninguém abria, ninguém sabia. Intocado e
sagrado como uma virgem medieval.
Depois, o rebanho voltava. Um a um. Para comer.
Mesa grande e fartura fartíssima. Era o preço do voto. E a festa da vitória. Um
dia, um eleitor foi mais afoito:
– Coronel, já cumpri meu dever, já fiz o que o
senhor mandou. Levei as chapas, pus tudo lá dentro, direitinho. Só queria
perguntar uma coisa:
– Em quem foi que votei?
– Você está louco, meu filho? Nunca mais me
pergunte uma asneira dessa. O voto é secreto.
GUETO
No mundo existem 236 países. Em 205 é adotado o
voto facultativo como tradição democrática. Já o voto obrigatório fica em um
“gueto” de 31 países, a maioria na América Latina, onde imperam as oligarquias,
aliadas do atraso e da antimodernização. Entre as 15 maiores economias do
mundo, só no Brasil o voto é obrigatório. A totalidade dos países
desenvolvidos, ao adotarem o voto facultativo, demonstra que esse devia ser o
caminho da sociedade brasileira.
Pesquisa do Data Folha mostra que 64% dos
brasileiros são contra o voto obrigatório. A Agência Senado consultou 2.542
brasileiros e encontrou 85% de apoio ao voto facultativo.
O voto é um direito da cidadania, não um dever,
como exige a atrasada legislação eleitoral brasileira. O percentual recorde de
abstenção mais nulo mais branco, na última eleição municipal, deixou lição que
precisa ser aprendida. O desprezo pelo voto obrigatório, de acordo com a
Ecopolítica (do Tribunal Superior Eleitoral), foi de 43% em Belo Horizonte; 42%
no Rio e 38% em São Paulo. O recado das três capitais estende-se por todo o
País.
Em São Paulo, o prefeito João Dória foi
brilhantemente eleito no primeiro turno, com o total de 3.085.167 votos. Já a
abstenção, o voto nulo e os brancos foram superiores: 3.096.304 nulos. O total
dos inválidos foi maior do que os válidos.
OBRIGATÓRIO
No Brasil o voto é exigência legal, punindo o
eleitor ausente que deve justificar-se na Justiça Eleitoral, para não ter
interditado os seus direitos políticos. A punição é severa, não podendo
participar de concurso público, matricular-se em universidades federais, tirar
carteira de identidade, passaporte ou obter empréstimos em bancos públicos. O
voto obrigatório é uma clara tutela do cidadão, determinando arbitrariamente
punição em um regime democrático. A obrigatoriedade de votar no Brasil é um
exemplo de subdesenvolvimento político.
Os seus defensores estão enquistados nos três
poderes republicanos. Os diferentes partidos em todos os padrões ideológicos,
direita, esquerda, centro e adjacências, defendem a obrigatoriedade do voto. No
Judiciário, amplos setores entendem que os brasileiros não estão preparados
para o voto facultativo. No Executivo não é diferente. Já no mundo
desenvolvido, onde as populações têm mais elevados índices de integração humana
e democrática, prevalece o voto facultativo.
ALVARO
Antenado com o desejo dos brasileiros, o senador
Álvaro Dias (PV-PR) formulou Emenda Constitucional defendendo o fim do voto
obrigatório, por ser incompatível com as liberdades individuais.
– “O voto obrigatório no Brasil estimula os altos
índices de abstenção, votos nulos e brancos, bem como escolha de qualquer
candidato só para cumprir obrigação jurídica de votar e escapar das sanções
legais”.
No Supremo, o ministro Marco Aurélio, defensor do voto
facultativo, entende que o voto obrigatório deva ser abolido. No Tribunal
Superior Eleitoral, a sua grande maioria expressa essa tese anacrônica.
O voto facultativo é a expressão máxima de uma
democracia real, o voto obrigatório uma clara anomalia democrática. A
verdadeira reforma política deveria começar pela revogação da obrigatoriedade
do voto. Ela é uma das causas da corrupção política.
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