A gota que
faltava para eliminar Dilma do governo. Gerente da Petrobras conta que mandou
avisar Dilma da compra superfaturada de Pasadena
De 2003 a 2005, Otávio Pessoa Cintra ocupou o cargo de gerente da
Petrobras América, no Texas, EUA. Ali, ele teve contato com o escândalo que
está na origem de tudo e garante que avisou seus superiores na ocasião.
"Tomei conhecimento em 2014 que Dilma sabia de tudo"
LEIA. É ao mesmo tempo revelador e Assustador – VEJA TRAZ COM
EXCLUSIVIDADE -Gerente da Petrobras conta a VEJA que mandou avisar Dilma da
compra superfaturada de Pasadena…
Sua
identidade nunca foi revelada, mas ele está no melhor lado da Lava Jato. Como
informante, ajudou a Polícia Federal a dar os primeiros passos para desvendar o
esquema de corrupção na Petrobras. Seu nome é Otávio Pessoa Cintra. Ele é engenheiro,
tem 55 anos e é funcionário da estatal há 30 anos. De 2003 a 2005, Cintra
ocupou o cargo de gerente da Petrobras América, braço da estatal no exterior,
com sede em Houston, no Texas, Estados Unidos. Ali, ele teve contato com o
escândalo que está na origem de tudo: a compra, altamente superfaturada, da
refinaria de Pasadena,
também em Houston. Em entrevista a
VEJA, Cintra garante: “Pasadena era um projeto secreto”. A história de Cintra
mostra como um funcionário da estatal teve acesso a informações comprometedoras
e tentou, sem sucesso, alertar seus superiores para o que estava acontecendo.
Ele conta que mandou recado para a então ministra Dilma Rousseff na época. E
soube, há dois anos, que seu recado chegou à destinatária. “Tomei conhecimento
em 2014 que Dilma sabia de tudo.”
O engenheiro conta que, no segundo semestre de
2005, já exasperado com as tentativas frustradas de denunciar a roubalheira na
Petrobras, procurou o deputado Jorge Bittar, do PT do Rio de Janeiro, então
influente na ala ética do partido. Na época, a Petrobras estava sob a
presidência de José Sérgio Gabrielli. Cintra contou ao deputado o que sabia,
deu detalhes do rombo de Pasadena e pediu que o assunto fosse levado a Dilma
Rousseff, então ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de
Administração da Petrobras. Em 2014, encontrou Paulo César de Araújo, o
assessor que intermediara seu encontro com Bittar, e quis saber o destino de
sua denúncia de nove anos atrás. A resposta que ouviu: “O Bittar levou o
assunto ao Gabrielli e ao Gabinete Civil da Presidência da República”. Depois
desse diálogo, Cintra ficou certo de que Dilma foi informada do que se passava
na Petrobras mas não tomou atitude alguma.
Otávio Cintra começou a auxiliar a Polícia
Federal em 28 de abril de 2014. Prestou um depoimento formal no qual detalhou o
que sabia sobre Pesadena, sobre operações ilegais envolvendo a compra de
blocos de exploração de petróleo em Angola e casos de superfaturamento, além de
citar nomes de funcionários que, mais tarde, se tornariam estrelas do
escândalo, como o ex-diretor Nestor Cerveró, e o lobista Fernando Soares,
conhecido como Fernando Baiano. Suas revelações foram registradas num documento
de dezessete páginas, anexado ao processo da Lava Jato. A identidade do
informante, no entanto, ficou sob segredo até agora.
Depois de prestar seu depoimento sigiloso à
Polícia Federal, Cintra ainda tentou levar o assunto adiante. Procurou o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que encaminhou o engenheiro ao
deputado Antônio Imbassahy, então membro da CPI da Petrobras. Imbassahy tentou
convocar Cintra para depor formalmente na CPI, ocasião em que poderia denunciar
publicamente tudo o que sabia. O requerimento de sua convocação nunca foi
votado. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a VEJA:
“PROJETO SECRETO”
Como o senhor ficou sabendo da compra de
Pasadena pela Petrobras? Eu
era commercial manager da Petrobras América. Estava em 2005 nos Estados Unidos
e vi essa movimentação das pessoas fazendo viagens pelos EUA, passavam pela
Petrobras America. E nós, o comercial da companhia, não éramos ouvidos sobre o
negócio. Tínhamos que ser ouvidos. E por que isso não acontecia? Porque
Pasadena era um “projeto secreto” . Por isso não envolvia a gente. Vi que
estavam comprando Pasadena quase clandestinamente.
Na época, como gerente, o senhor não fez nada
para impedir o golpe? Ainda
em 2005, fui ao presidente da Petrobras America, o Renato Bertani, meu chefe.
Disse a ele que não fazia sentido comprar Pasadena, ainda mais por aquele preço
absurdo. A Petrobras tinha acabado de recusar a compra de toda a refinaria de
Pasadena por 30 milhões de dólares e, naquela, eles estavam comprando a metade
da mesma refinaria por 360 milhões de dólares, sem consultar ninguém. Era óbvio
que havia algo por trás daquilo.
O problema estava no preço e no modo com que a
operação estava sendo feita? A
compra de Pasadena tinha que necessariamente passar pela Petrobras América. Eu
era o gerente comercial da Petrobras América e estava presenciando a
movimentação para a compra de uma refinaria que antes não estava nos planos
estratégicos da empresa. Cabia a nós o contato sobre as oportunidades para a
empresa. Em duas outras oportunidades anteriores, nós fomos consultados.
Pasadena era uma empresa familiar, as margens eram baixas, não tinha crédito no
mercado. Ela não podia comprar petróleo. Imagina uma padaria que não podia
comprar farinha de trigo, que não podia fazer pão. E essa era apenas uma das
muitas operações estranhas que ainda estavam por vir.
“A DILMA E O GABRIELLI SABIAM”
O senhor alertou seus superiores sobre as
irregularidades na compra de Pasadena? No
segundo semestre de 2005, tive um encontro com o deputado Jorge Bittar. Eu
falei: “Deputado, tem irregularidade na compra de Pasadena. Meia dúzia de
suspeitos estão envolvidos nessa negociação”. Quem intermediou o encontro no
gabinete do deputado, no Edifício Di Paoli, no Rio, foi meu amigo, o Paulo
César Araújo, que trabalhava com o Bittar. O Bittar, então, levou o assunto à
ministra da Casa Civil da Presidência da República e ao presidente a Petrobras,
Sérgio Gabrielli.
Como é que o senhor sabe que a então ministra
Dilma foi alertada? O
Paulo César, assessor do Bittar, me confirmou. Quando estourou a Operação Lava
Jato, tivemos outro encontro, em 2014, no mesmo Edifício Di Paoli. O Paulo
falou: “O pior é que sua denúncia foi levada à Casa Civil e ao Gabrielli”. A
Dilma e o Gabrielli sabiam. O Bittar foi à Casa Civil e ao Gabrielli. Eu só
tomei conhecimento agora em 2014 que a Dilma sabia de tudo.
“PETROBRASSSS…”
O senhor fez alguma outra incursão na tentativa
de denunciar o que estava acontecendo na empresa? Depois
que o presidente Lula já tinha terminado o mandato, me encontrei com ele no
Chile, onde também fui gerente. Em uma cerimônia, salvo engano em 2013, um
representante do Itamaraty me colocou sentado ao lado dele, e me apresentou
como funcionário da Petrobras. Pensei em aproveitar a oportunidade e falar com
o ex-presidente, mas não foi possível. O ex-presidente tinha bebido um pouco de
uísque, me olhou, deu um tapa forte no meu peito e disse, sorrindo:
“Petrobraaasssss”. Aí todo mundo riu, mas não teve jeito de conversar com ele,
não tinha clima.
Foi sua última tentativa de trazer o assunto a
público? Apresentei os
problemas da Petrobras para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa
reunião, em 2014, já depois do escândalo da Lava Jato. Ele pediu que eu
conversasse com o deputado Antonio Imbassahy. Fiz isso. O deputado apresentou
requerimento me convocando em 2015 para prestar depoimento na CPI, mas o
requerimento sequer foi analisado.
“COMEÇARAM A ME PERSEGUIR”
Como o senhor reagiu quando a Lava Jato começou
a revelar tudo? Fiquei
com medo. Tenho medo desse grande ‘sistema’. Tive medo de matarem minha
família. Vai que alguém me aborda na rua. Numa discussão de rua, dão um tiro, e
é queima de arquivo. A prova de que realmente o esquema é muito maior é que
começaram a me perseguir dentro da Petrobras depois que avisei o deputado
Bittar. Perguntavam de forma irônica: “Por que o Paulo Roberto Costa gosta
tanto de você?”. Fiquei sem dormir. Quando você se volta contra o sistema, o
sistema te destrói. Quando fiz essa denúncia, o mundo se voltou contra mim.
O que mais aconteceu para o senhor dizer que o
mundo se voltou contra o senhor? Desde
que comecei a falar abertamente sobre Pasadena dentro da empresa, nunca mais
tive promoções, nunca mais me deram funções de relevo na companhia. Nos Estados
Unidos, cheguei a ganhar mais de 100 mil reais por mês e hoje não ganho um
terço disso. Nos últimos anos, fico encostado num computador, na internet,
esperando a aposentadoria chegar e ainda com medo de sofrer algum tipo de
retaliação.
Hoje, diante do que já foi descoberto, qual
avaliação que o senhor faz sobre o que aconteceu? Todos
eles, toda a diretoria da Petrobras é cúmplice. Toda decisão de diretoria é
colegiada. O Gabrielli é igualzinho ao Paulo Roberto. Só que o Gabrielli
colocava para conversar o assistente dele. Eles mandam emissários. Se der
problema, eles dizem: “”ão autorizei ninguém a falar em meu nome”. É a mesma
política do Lula. Você acha que o Lula negociava com a arraia-miúda? Quem
conversava era o Zé Dirceu.
Procurado por VEJA, o ex-deputado Jorge Bittar,
hoje presidente da Telebrás, disse, primeiro, que não se lembrava do encontro
com o engenheiro Cintra. Depois, que o encontro nunca existiu. Seu ex-assessor
Paulo César também negou. “Eu não me lembro nem de conhecer essa pessoa”, disse
ele, hoje proprietário da Fragmenta Destruição Segura de Informações, empresa
especializada na inutilização de documentos e arquivos. O ex-presidente
Fernando Henrique confirmou a reunião com Otávio Cintra. O deputado Imbassay
disse que a bancada governista impediu a convocação do engenheiro para depor.
“Ele podia ter contribuído muito com os trabalhos da CPI, mas a convocação dele
sequer foi analisada.”