José
Nêumanne: Como destruir um Estado
A maior estatal brasileira deve R$ 332,4
bilhões, sofreu com a queda do valor do barril no exterior e com o congelamento
do preço do combustível nos postos para mascarar a inflação
“Se não mexer na Previdência, viramos
a Grécia”. O título merece a atenção do leitor para a entrevista que ocupou uma
página no caderno de Economia do Estadão de domingo 13 de
novembro. O protagonista, ouvido pelos repórteres Mônica Ciareli, Wilson Tosta
e Vinicius Neder, é Luiz Fernando Pezão, do PMDB de Sérgio Cabral, por sua vez
subPT de Lula e Dilma.
As notícias que ele dá têm o impacto
de uma bomba nuclear e merecem atenção. “Temos 100 coronéis (da Policia
Militar) na ativa e 600 aposentados ganhando R$ 23 mil (por mês). Se
aposentaram com 48 anos, 49 anos. Você acha que essa conta vai fechar?”,
perguntou aos repórteres (e ao leitor), em tom de cobrança. Se o ET, de
repente, pousasse no Porto Maravilha (obra da Olimpíada), poderia perguntar:
“Ei, moço, a culpa é do jornal ou do bispo de Garanhuns?”.
E ainda: “Tenho mais professor
inativo do que ativo, em um momento em que a população está demandando mais
serviços, porque ninguém tem mais dinheiro para pagar plano de saúde e colégio
particular”. Ou seja: será a culpa do fluminense que perdeu o emprego, a renda
e os luxos a que estava acostumado? De Carlos Lacerda, que foi governador da
Guanabara e deu a seus sucessores o péssimo exemplo de governar bem? Ou podemos
imaginar que o desafio tenha sido feito numa mesa branca a Marcelo Alencar,
outro governador medíocre? Que nada! O entrevistado é o atual governador do
Estado do Rio de Janeiro. Na História será lembrado como um Zé das Couves que
ocupou um lugar para o qual não estava preparado e terminou entrando na
História por ter reduzido a ex-Cidade Maravilhosa a cenário de um filme B de
terror.
O leitor do Estadão foi
contemplado com um trabalho de edição exemplar, no qual a ruína é dissecada,
pedra a pedra, picareta por picareta. Ao lado da entrevista cínica, foi editado
um quadro completo do atoleiro fiscal. Nele 11 pontos mostram como governos
corruptos, irresponsáveis e incompetentes destruíram o Estado do Rio e deixaram
o legado assustador de uma dívida de R$ 17,5 bilhões.
A desventura começou com uma notícia
excepcional. No litoral de Campos de Goitacazes repousa a maior reserva de
petróleo do País. Ali, após pesquisa de anos, a Petrobrás concluiu que havia
uma jazida enorme de óleo cru nas profundezas, sob a camada do pré-sal. A
desassombrada capacidade de mentir do ex-governador Sérgio Cabral e dos
ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff – PT e PMDB de mãos
dadas e sujas de graxa – os tornou parceiros na ventura de um enorme potencial
de riqueza fácil: o ouro negro a ser extraído do fundo mais profundo do mar. Em
2014, ano em que Dilma foi reeleita, entraram nos cofres estaduais fluminenses
R$ 10 bilhões, reduzidos a R$ 5,6 bilhões em 2015 e R$ 3,48 bilhões pingados
este ano (menos 60% em dois anos). A previdência estava ancorada nessa miríada
de mil e uma noites. E afundou.
O segundo ponto foi a crise da
Petrobrás. Padim Lula convocou o mundo para aplaudi-lo na Bolsa de Valores de
São Paulo, ao festejar a maior capitalização da história do capitalismo: o exponencial
crescimento da Petrobrás, com sede no Rio. Mas a Operação Lava Jato desvendou
nos seus porões o maior escândalo de corrupção da História da humanidade. A
maior estatal brasileira deve R$ 332,4 bilhões, sofreu com a queda do valor do
barril no exterior e com o congelamento do preço do combustível nos postos para
mascarar a inflação. Aí, a cadeia de óleo e gás naufragou.
O propinoduto de grandes
empreiteiras, como Odebrecht e Andrade Gutiérrez, paralisou sua atividade e as
tornou componentes da recessão que fechou empresas e desemprega 12 milhões de
brasileiros. A queda de sua participação na receita do Estado foi de R$ 61,5
bilhões para R$ 44,8 bilhões (menos 20% em termos reais). Em dez anos, o Rio
informa ter perdido R$ 9 bilhões em investimentos, por causa da guerra fiscal
entre os Estados da Federação.
Em 2014, o governo fluminense
reajustou o salário de servidores de 41 categorias e isso onerou a folha de
pagamento em R$ 2,7 bilhões. Do déficit projetado de R$ 17,5 bilhões, R$ 12
bilhões são destinados a aposentados e pensionistas. De 2010 a 2015, a dívida
pública aumentou 81,6%, ou seja, quase dobrou: de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,5
bilhões.
O oitavo ponto é o gasto com a
Olimpíada. Sérgio Cabral, o patrono de Pezão, participou da festança de 2009,
em Copenhague, ao lado de seu inspirador, Lula da Silva, quando o Rio venceu
Chicago, sob os auspícios de Michelle e Barak Obama, Madri e Tóquio, e se
tornou sede da Olimpíada de 2016. Tudo a ser financiado pela iniciativa
privada, conforme juraram o ex-presidente, sua sucessora, o então governador e
o prefeito da cidade-sede, Eduardo Paes, da mesma patota. Pois sim: findos os
jogos, feita a conta, coube ao Estado bancar a bagatela de dez projetos, que
custaram a ninharia de R$ 9,7 bilhões.
Em 2015, para pagar suas dívidas, o
fundo de previdência captou nos EUA US$ 3,5 bilhões (R$ 12 bilhões) em títulos
com lastro em royalties de petróleo. O preço do produto desabou e a
Rioprevidência não conseguiu pagar o débito. Coube ao Tesouro honrá-lo. Ou
seja, o contribuinte paga a conta que Cabral e Pezão gastaram. De 2007 a 2014,
foram dados em benefícios a empresas R$ 185 bilhões, com renúncia efetiva de R$
47 bilhões.
O Legislativo e o Judiciário também
fizeram festa paga pelo bolso de todos os fluminenses. De janeiro de 2007 a
dezembro de 2015, as despesas da Assembleia Legislativa cresceram 90%. As da
Justiça, 145%. E as do Ministério Público, 181%. Junto ao 11º ponto, o Estadão informou
que no período a inflação medida pelo IPCA/IBGE foi de 71,82%
Na última resposta da entrevista
Pezão não se fez de rogado. Disse que o problema não é só do Rio, mas do Brasil
todo. O pior é que ele tem razão. Seus padroeiros deram as de Vila Diogo e
imitaram João sem braço. Sérgio Cabral é tido como desaparecido. Lula da Silva,
falando para 300 gatos pingados na Casa de Portugal, culpou Temer, que foi vice
de Dilma e hoje governa, pelo desemprego e pela queda de renda dos
trabalhadores, que estão pagando a conta e não participaram da farra fiscal que
está levando o Rio e o País à matroca.
Ao sugerir intervenção federal, Pezão
cobra pesado resgate pelo sequestro do Estado, como se chefiasse uma milícia de
subúrbio. Mas Temer garante que não aceitará a chantagem, sabendo que, se
intervier no Estado do Rio, terá de adiar seus projetos no Congresso para
reformar a Constituição e içar o Brasil do pré-sal da recessão. Vai saber…