Gatunagens
pós-olímpicas
POR MALU GASPAR 21 DE JUNHO DE 2017 16:55
Para seduzir o Ministério Público a aceitar sua delação, o ex-governador
do Rio Sérgio Cabral promete contar como foi o encontro entre ele, Lula e
Eduardo Paes para comprar a Olimpíada do Rio
Sérgio
Cabral, Eduardo Paes e Lula em 2008, um ano antes da eleição que deu ao Rio o
direito de sediar a Olimpíada. Investigadores franceses têm provas de que ao
menos um dos 66 votos a favor da cidade foi comprado por 1,5 milhão de dólares FOTO:
SERGIO LIMA_FOLHAPRESS
Não são poucos os
segredos que o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral guarda em sua cela
no Batalhão Especial Prisional de Benfica, na capital fluminense. Uma parte
deles – mais precisamente 96 – foi exposta por Cabral em forma de anexos de uma
proposta de delação premiada feita ao Ministério Público Federal no início
deste ano.
Entregue pelos
advogados de Cabral a uma equipe formada por procuradores de Brasília e do Rio
de Janeiro, a proposta reúne as histórias que o ex-governador está disposto a
contar para diminuir sua pena – na semana passada, Sérgio Moro o condenou, em
primeira instância, a 14 anos e dois meses de prisão por corrupção e lavagem de
dinheiro. Há outras dez denúncias ainda por serem julgadas, e vários inquéritos
em andamento.
O Ministério Público
achou que Cabral falou pouco, e as negociações não foram adiante. Elas muito
provavelmente continuarão hibernando nos escaninhos de Brasília, onde o time de
Rodrigo Janot tem como prioridade os casos eletrizantes de Joesley
Batista, Lúcio Funaro, Eduardo Cunha e companhia, todos mirando a
cabeça do presidente Michel Temer.
Entre os episódios
relatados por Cabral, porém, um em especial chamou a atenção dos procuradores.
O ex-governador prometeu detalhar uma reunião, realizada em 2009, na qual ele,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-prefeito Eduardo Paes teriam
autorizado o empresário Arthur César Soares de Menezes, conhecido como “Rei
Arthur”, a pagar propina a membros do Comitê Olímpico Internacional para que o
Rio de Janeiro fosse escolhida cidade-sede dos Jogos de 2016.
O resumo apresentado
por Cabral não fornece os meandros da conversa e nem dá os meios pelos quais o
dinheiro foi pago. Mas confirma e acrescenta ingredientes à história publicada
em março pelo jornal francês Le Monde, segundo a qual o Ministério Público
daquele país descobriu que Arthur Soares pagou 1,5 milhão de dólares ao
presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo, Lamine
Diack, três dias antes da votação que consagrou a vitória do Rio para sediar os
Jogos de 2016, acontecida em 2 de outubro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca.
Mais 500 mil dólares
teriam sido depositados em contas de Diack depois da escolha, como uma espécie
de bonificação por resultados: o Rio derrotou Madri por 66 votos a 32. Diack,
por sua vez, teria repassado 300 mil dólares ao ex-atleta da Namíbia Frankie
Fredericks, também membro do COI, no dia da votação.
Pela ênfase dada pelos
advogados de Cabral ao episódio nas negociações com os investigadores,
presume-se que, caso a delação fosse adiante, os detalhes seriam saborosos. Nas
conversas, esse anexo era tratado pelos defensores do ex-governador como a
parte mais relevante do conjunto de histórias que ele promete contar em troca
do arrefecimento da pena.
Para que seja aceita,
no entanto, a delação de Cabral precisa trazer mais fatos comprometedores de
altas instâncias, sobretudo do Judiciário. Embora caudalosa, a proposta de
Cabral não expunha em detalhes sua relação
com os togados, o que, para alguns procuradores, é fundamental. Sem
isso, nada feito. E mesmo com isso, talvez haja problemas: parte do time do
Ministério Público sempre é refratária a qualquer tipo de acordo com Sérgio
Cabral, dada a extensão de seus crimes e do estrago feito por sua gestão nas
finanças do Rio, em estado oficial de calamidade financeira ao menos até 2018.
A recusa em fazer
acordo com o ex-governador tem uma dose razoável de cálculo. Os procuradores
acreditam que podem descobrir, sozinhos, o que Cabral se propõe a contar. Nos
últimos meses, a Operação Calicute, ramo fluminense da Lava Jato, já fechou
acordos de delação com os doleiros de Cabral e com funcionários de empresas
públicas e privadas que estão, aos poucos, expondo as engrenagens do esquema
que dominou o governo do Rio nos últimos dez anos.
A força-tarefa
conseguiu a prisão de Eike Batista que, além de ter pago propina ao
ex-governador, também despejou 23 milhões de reais na campanha olímpica do Rio
– memória de Batista pode ajudar a enfraquecer a moeda de troca de Cabral. A
Calicute também deteve conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, acusados
de receber propina em contratos do governo estadual; apreendeu documentos nos
escritórios do presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, homem
central no minhocário de propinas no Rio; e prendeu o ex-secretário de Saúde da
época, Sérgio Côrtes, e seus fornecedores de serviços de saúde. Agora,
prepara-se para avançar sobre ele, o Rei Arthur, o empresário mais poderoso do
Rio de Janeiro na era Cabral.
Amigo e vizinho do
governador no condomínio onde mantinham suas casas de praia em Mangaratiba,
Soares é dono de uma miríade de empresas que fornecem de quentinhas a
documentos, de segurança a veículos para o governo estadual. Nos anos de Cabral
no poder, o Rei Arthur faturou cerca de 3 bilhões de reais. No mesmo período,
arrebanhou contratos também no governo de Minas Gerais e no Senado Federal. A
Calicute já descobriu que ele pagou 1 milhão de reais ao escritório da
ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, e mais 660 mil reais a um dos prepostos de Cabral,
Carlos Miranda, por serviços até agora sem comprovação de que sequer tenham
existido.
Discreto e desconfiado,
Soares esteve no Ministério Público do Rio no início do ano e se dispôs a
colaborar com as investigações, mas negou todas as acusações e não
acrescentou uma vírgula ao que já se sabia. Nas próximas semanas, chegam
às mãos dos procuradores no Rio de Janeiro os documentos obtidos pelo
Ministério Público da França que comprovariam os pagamentos feitos por ele aos
membros do COI. O cerco se fecha, ao mesmo tempo em que Cabral começa a
perceber que suas chances com os juízes da Lava Jato se achatam quase ao nível
do chão. A tendência é Cabral acumular condenações – a menos que consiga
convencer os procuradores de que vale a pena fechar um acordo com ele. Para
isso, porém, será preciso revisar sua memória. Porque a história secreta da
Olimpíada está prestes a ser desvendada.
MALU GASPAR
Malu Gaspar, repórter de piauí,
é autora do livro Tudo ou Nada: Eike Batista e a Verdadeira História do
Grupo X, da Editora Record