Na última quarta-feira
(4), nem os mais distraídos observadores da sessão do STF, fossem devotos do
réu, fossem seus antagonistas, deixaram de observar o empenho com que os
ministros Marco Aurélio e Lewandowski se empenharam na defesa do ex-presidente
Lula. Os dois magistrados tinham torcida nacional a favor e contra. Os
favoráveis se empenhavam na leitura labial daqueles cochichos, na escuta de
apartes e grosseiras repreensões aos colegas; emergiria dali algum estratagema
salvador de seu ídolo? Os contrários presenciavam as cenas e manobras em meio a
interjeições e adjetivos muito pouco qualificativos.
Não me lembro de já haver
observado algo assim. Duvido que, se voz tivesse, a banca inteira de advogados
contratados, e ali sentados, litigasse com igual combatividade. Nessa tarefa,
os dois ministros se ergueram bem acima dos também denodados Toffoli e Gilmar,
que não costuma deixar barato o trabalho da divergência. Era como se, longe dos
votos, das mais sadias expectativas nacionais por justiça, o réu cujo nome
estava inscrito na capa do processo exigisse de ambos o sacrifício da própria
respeitabilidade. E eles foram para o holocausto! Ao final da longa
jornada, reeditando o advogado Battochio da sessão anterior, coube a Marco
Aurélio cobrar de seus pares a concessão de um novo salvo-conduto ao réu, até
que o STF revisitasse o tema da prisão provisória após condenação em segunda
instância! Nessa treta, nesse gambito, isolaram-se ambos. Nem os demais
parceiros os acompanharam.
Por que? Se lhes déssemos
atenção apenas às palavras, pareceria que serviam à mais essencial causa humana
depois da Paixão de Cristo. Eram arautos, a um só tempo, da liberdade, da
dignidade humana, dos direitos do homem e do cidadão, da Constituição da
República e da carta de princípios do Flamengo. No entanto, não era assim. A prisão
do réu, uma dentre milhares, cumpria decisão do próprio STF sobre a
constitucionalidade do cumprimento provisório das penas após condenação em
segunda instância, etapa a partir da qual a culpa dos réus é assunto que não
mais pode ser discutido.
Interpretação diferente
não corresponde ao bom Direito e constituiria caso singularíssimo no mundo
civilizado. Se o texto constitucional é ruim e instaura a impunidade eterna,
não será um Congresso Nacional tomado por corruptos que o revisará. Isso só
pode ser tarefa de uma Suprema Corte formada por verdadeiros magistrados. No
período em que foi exigido o trânsito em julgado (2010-2016), constatou-se o
quanto se tornou impossível combater a criminalidade no consequente ambiente de
impunidade.
O Mecanismo que assaltou
a nação começou a cair quando, em 2016, para inconformidade de criminosos e
seus advogados, em exercício ou potenciais, o STF adotou a atual
jurisprudência. A leitura meramente silábica da norma constitucional, afastada
do mundo dos fatos, tomada como mensagem inscrita no céu por arcanjos para
anjos, é um disparate que se traduz em impunidade por prescrição ao alcance de
quem tenha uma boa conta bancária. Ainda que fornida, essa conta, por recursos
de crime que ficará impune.
Os arcanjos da justiça,
que leem na Constituição normas feitas para tais anjos, não são ingênuos.
Estes, os ingênuos, têm lugar na cadeia alimentar dos mal intencionados. Mas
não é o caso dos ministros que quebraram e continuam quebrando lanças e espadas
em defesa do império da impunidade. A quem servem esses senhores, junto com os
parceiros Celso, Toffoli e Gilmar, que nada têm de ingênuos, quando falam em
“punitivismo” no país da impunidade?
PERCIVAL PUGGINA