José Rodrigues dos Santos
O marxismo surgiu num
contexto de cientificismo. Newton tinha descoberto as leis da física e Darwin
as da seleção natural. Indo no encalço desses dois, e também de Hegel, Marx e
Engels anunciaram que haviam descoberto as leis da história. Tal como as leis
da física e da biologia, ambos concluíram que as leis da história eram
deterministas e independentes da vontade humana.
O socialismo científico
era tão científico, na opinião de Marx e Engels, quanto a física de Newton e a
biologia de Darwin. E que leis eram essas? Eram as do determinismo histórico,
estudadas pela sua nova ciência, o socialismo científico (tão científico, na
sua opinião, quanto a física de Newton e a biologia de Darwin). A ideia era
simples: ao feudalismo sucede-se o capitalismo, cujas contradições levarão
inevitavelmente os proletários à revolução que conduzirá ao comunismo. Nesta visão
a história é teleológica e determinista. Não é preciso ninguém fazer nada, pois
a revolução do proletariado é inevitável.
Os anos passaram e não
ocorreu nenhuma revolução, o que contradizia a teoria marxista. Como explicar
isto? Surgiram duas teses revisionistas. A primeira, do marxista alemão
Bernstein, foi a de que afinal o capitalismo não ia acabar, o operariado até
estava a melhorar o seu nível de vida e o socialismo podia perfeitamente
adaptar-se ao capitalismo. Esta corrente cresceu no SPD alemão e acabou na
social-democracia como a conhecemos hoje em dia.
A segunda tese teve
origem no marxista francês Georges Sorel. Numa obra tremendamente
influente, Refléxions sur la violence, Sorel concluiu que a revolução não
era inevitável nem seria espontânea. Teria de ser provocada. Como? Usando uma
elite para guiar o proletariado e recorrendo à violência. Seria a violência que
desencadearia a revolução.
Foi o marxismo soreliano
que conduziu ao bolchevismo e ao fascismo. Lênin leu Sorel e apropriou-se dos
conceitos revisionistas da elite, a famosa “vanguarda”, e do uso da violência.
O mesmo Sorel foi lido com atenção em Itália, em particular pelos sindicalistas
revolucionários, marxistas que adotaram a greve e a violência como formas de
desencadear a revolução.
Foi o marxismo soreliano
que conduziu ao bolchevismo e ao fascismo.
Em paralelo, um marxista
austríaco, Otto Bauer, notou que no Império Austro-Húngaro os operários
húngaros mostravam sentimentos de solidariedade mais fortes para com os
burgueses húngaros do que para com os operários austríacos. Embora o marxismo
fosse uma corrente internacionalista, Bauer buscou legitimidade em algumas
afirmações nacionalistas de Marx e Engels para lançar uma nova ideia
revisionista. Concluiu ele que o comportamento dos operários húngaros mostrava
que o sentimento de nação era mais poderoso do que o sentimento de classe.
O nacionalismo era revolucionário, argumentou, pois galvanizaria o proletariado
para a revolução.
Esta ideia entrou em
Itália pela pena de um marxista italiano de origem alemã, Robert Michels, e
influenciou os sindicalistas revolucionários italianos. Estes, contudo,
enfrentaram a ortodoxia dos restantes marxistas, incluindo Benito Mussolini, o
diretor do órgão oficial do partido socialista italiano, o Avanti!
Acontece que em 1911
ocorreu um acontecimento que iria abalar as convicções ortodoxas de Mussolini:
a guerra ítalo-otomana pela Tripolitânia. Mussolini opôs-se a essa guerra, mas
ficou atônito com a reação do proletariado italiano, que exultava com as vitórias
de Itália. “Michels e os sindicalistas tinham razão!”, concluiu Mussolini. As
pessoas estão afinal mais dispostas a morrer pela sua pátria do que pela sua
classe.
Quando a Grande Guerra
começou, em 1914, ocorreu uma cisão no movimento socialista. A Segunda
Internacional tinha determinado que os operários dos diferentes países não
entrariam em guerra uns contra os outros, mas na hora da verdade os socialistas
alemães, franceses e britânicos apoiaram a guerra. Apenas os bolcheviques
russos e os socialistas italianos se opuseram.
O problema é que nem
todos os socialistas italianos estavam de acordo. Os sindicalistas
revolucionários queriam a entrada de Itália na guerra porque achavam que ela
seria o forno onde se forjaria o sentimento nacional dos italianos, cujo país
era novo e buscava ainda a sua identidade, e que seria o sentimento de nação
que uniria o proletariado italiano e desencadearia a revolução. Ou seja, a
guerra derrubaria o capitalismo.
Mussolini começou
mantendo a linha do partido e opôs-se à entrada de Itália na guerra, mas
rapidamente deu razão aos sindicalistas e defendeu que os socialistas
italianos deveriam seguir o exemplo dos socialistas alemães, franceses e
britânicos e apoiar a guerra. Esta mudança de posição valeu-lhe a expulsão do
partido.
Os sindicalistas
revolucionários italianos, incluindo Mussolini, foram para a guerra – uma
posição perfeitamente em linha com a de outros marxistas europeus, incluindo os
do SPD alemão. Quando o conflito terminou, os marxistas italianos pró-guerra regressaram
para casa mas foram antagonizados pelos marxistas italianos anti-guerra. Em
conflito com estes, os marxistas pró-guerra fundaram o movimento fascista, com
reivindicações como o salário mínimo, o horário laboral de oito horas, a
participação dos trabalhadores na gestão das fábricas, a aposentadoria aos
55 anos e o confisco dos bens das congregações religiosas. Será que só eu noto
que estas reivindicações fascistas têm origem marxista?
Os marxistas pró-guerra
fundaram o movimento fascista, com reivindicações como o salário mínimo, o
horário laboral de oito horas, a participação dos trabalhadores na gestão das
fábricas, a aposentadoria aos 55 anos e o confisco dos bens das
congregações religiosas.
O pensamento fascista foi
evoluindo. Recorde-se que Marx e Engels consideravam que o capitalismo era uma
fase necessária e imprescindível da história humana e que sem capitalismo nunca
haveria comunismo. Os bolcheviques renegaram esta parte do marxismo quando
preconizaram que na Rússia era possível passar diretamente de uma sociedade
feudal para o comunismo, mas neste ponto os fascistas mantiveram-se marxistas
ortodoxos ao aceitar que o capitalismo teria de ser temporariamente cultivado
em Itália.
Noutros pontos os
fascistas desviaram-se da ortodoxia marxista. Por exemplo, aproximaram-se do
revisionismo bolchevista quando abraçaram a ideia soreliana da violência
provocada por uma vanguarda e afastaram-se do marxismo e do bolchevismo quando
aderiram à ideia baueriana de que o sentimento de nação era para o proletariado
mais galvanizador do que o sentimento de classe. Isto levou-os a dizer que a
luta de classes não se aplicava a Itália porque esta era já uma nação
proletária explorada pelas nações capitalistas. A luta de classes apenas iria
dividir a nação proletária, pelo que em vez de conflitualidade deveria haver
cooperação entre classes. O chamado corporativismo.
O pensamento fascista
continuou a evoluir, sobretudo em consequência do Bienio Rosso, levando os
comunistas italianos a lançar uma campanha de ocupação selvagem de
fábricas e de propriedades rurais. Estes eventos levaram os fascistas a
afastarem-se mais do marxismo, pois entendiam que estas ações enfraqueciam a
nação, que designavam de “classe das classes”, ao ponto de começarem a
proclamar-se anti-marxistas. Convém no entanto recordar que Mussolini
esclareceu que o fascismo objetava ao marxismo não por este ser socialista, mas
por ser anti-nacional.
Tudo isto está explicado,
com muito mais pormenor, nas minhas sagas As Flores de Lótus e O
Pavilhão Púrpura, e curiosamente nada disto foi desmentido por ninguém. Os meus
críticos limitaram-se a constatar que os fascistas se descreviam como
anti-marxistas – e assim foi a partir de certo ponto. Mas isso nada me desmente
porque nunca disse que os fascistas, na sua fase já amadurecida, eram
marxistas. O que eu disse, e repito, é que o fascismo é um movimento de origem
marxista.
Se acham que o fascismo
não tem origens marxistas, aproveitem também para desmentir por que o fascismo
alemão se designava nacional-socialismo. Como acham que a palavra socialismo
foi parar ali? Por acaso?