Detalhe de cartaz de propaganda chinês da época
maoísta sobre a mecanização agrícola.
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) divulgou que está fazendo
um negócio da China. Literalmente. O Partido Comunista Chinês vai investir na
organização que tem como uma das suas principais atividades a invasão de
terras.
No fim de julho, uma delegação de 14 pesquisadores da Universidade Rural
da China visitou assentamentos do MST e prometeu intercâmbio e suporte técnico
para ajudar os assentados a modernizarem seu sistema produtivo.
A parceria, no entanto, é um belo negócio que os chineses avistaram
depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve na China carregando no
colo o chefão do MST, João Pedro Stédile.
De volta ao Brasil, o MST se abrigou sob o dossel de institucionalidade
do Consórcio Nordeste – que, não por acaso, também foi à China acomodado na
algibeira presidencial. As duas organizações anunciaram que serão uma espécie
de laboratório do empreendedorismo agrícola chinês.
O Partido Comunista Chinês já tem os grandes produtores brasileiros de
joelhos. Os fazendeiros praticamente se tornaram fornecedores de cliente único,
tornando o agronegócio nacional perigosamente dependente dos interesses do
partido
O governo do Rio Grande do Norte estendeu o tapete vermelho para os
chineses demonstrarem a grandiosidade de sua tecnologia agrícola e recepcionará
um campo de testes de pelo menos 31 modelos de equipamentos que serão usados em
lavouras do MST.
Antes de tomar esta iniciativa, entretanto, o Consórcio Nordeste bateu
em muitas portas, dentro e fora do Brasil, em busca de financiamento
“carimbado” para as máquinas chinesas. Como não deu certo, resolveram, então,
transformar a região em um grande showroom para ajudar a convencer não só entes
governamentais e agências de fomento, mas também os produtores da magnificência
do maquinário que o Partido Comunista Chinês quer desovar no Brasil.
A aliança do Consórcio Nordeste com os interesses da China não é
recente. Desde a sua criação, em 2019, a associação de governos esquerdistas
nordestinos se apresentou como trincheira chinesa no Brasil. Uma espécie de
movimento de secessão, que tinha como pretexto se contrapor ao “fascismo” do
governo federal que buscava se afastar da China ao mesmo tempo que se alinhava
aos Estados Unidos, na época comandados por Donald Trump.
Durante a pandemia de Covid-19, o consórcio passou a tratar diretamente com o embaixador chinês e com o governo da China, que ignorou qualquer tipo de protocolo e respeito na relação bilateral com o Brasil e passou a lidar com o grupo de governadores como se eles formassem um Estado dentro do Estado.
Quais serão as reais implicações da marcha da China sobre a agricultura
familiar brasileira, valendo-se dos governadores esquerdistas do Nordeste e do
MST? Não é possível prever com exatidão, mas os sinais apresentados pelos
próprios envolvidos na operação indicam que:
1. O Partido Comunista Chinês já tem os grandes produtores brasileiros
de joelhos. Os fazendeiros praticamente se tornaram fornecedores de cliente
único, tornando o agronegócio nacional perigosamente dependente (e
subserviente) dos interesses do Partido Comunista Chinês;
2. Os chineses viram um grande negócio no Brasil. Não soa nada absurdo
ver, em breve, milhões e milhões de reais provenientes dos cofres públicos
jorrarem para o financiamento dos tratorzinhos chineses. O diminutivo não é
depreciativo, mas uma referência ao sistema de minimáquinas que a China
desenvolveu para atender minipropriedades;
3. A conquista da produção da agricultura familiar, que ficará atrelada
– potencialmente em um modelo de sociedade 50%-50% com os chineses. O que antes
era 100% brasileiro perderá, de imediato, metade da influência nacional e
possivelmente muito mais do que isso no que se refere à destinação para o
mercado interno;
4. Quase ninguém se lembra, mas, durante a pandemia de coronavírus, a
China chantageou meio mundo – e não foi diferente com o Brasil – sequestrando
insumos para vacinas e emperrando as cadeias logísticas para se blindar de
qualquer crítica ao regime e sua lista sem fim de violações. O Congresso
brasileiro, políticos de todos os matizes ideológicos e a imprensa, sem falar
do Consórcio Nordeste, uniram-se em coro para reverenciar a ditadura. Pois sem
ela todos nós morreríamos, não é mesmo? Como o Partido Comunista entendeu o
processo de domesticação ao qual fomos submetidos, eles avançaram na conquista;
5. O esquerdismo latino-americano do qual o MST faz parte é terreno
fértil para o Partido Comunista Chinês semear suas políticas estratégicas que
nada têm a ver com os interesses locais, mas apenas servem de plataforma para
os objetivos globais do regime chinês.
Uma pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Latinobarómetro, com
sede no Chile, revelou que o desprezo dos latino-americanos pela democracia tem
crescido de forma perturbadora. Do total de 20 mil pessoas ouvidas em 17 países
da região, 17% disseram preferir um regime autoritário a um sistema
democrático. Para outros 16% tanto faz viver em uma democracia ou uma ditadura.
A coisa fica ainda mais horripilante quando perguntados se defendem a
democracia: o porcentual dos que disseram “sim” caiu de 63%, em 2010, para 48%,
em 2023.
China, Rússia, Irã, Cuba, Venezuela e as demais autocracias que existem
pelo mundo trabalham noite e dia para desacreditar as democracias. O mais
bizarro é que eles têm conseguido fazer isso muito bem com o apoio de muita
gente da direita que acredita que questões ligadas à corrosão de valores
familiares ou tudo que cabe no tal wokeismo são culpa da democracia.
Esse sentimento repleto de confusão é usado pelas ditaduras para se normalizarem, colocando em xeque os valores democráticos. Ninguém tem investido mais nisso que o Partido Comunista Chinês. Xi Jinping tem gastado muito de seu capital político e financeiro para vender a ideia de que o Ocidente não pode ter o “monopólio da democracia”, ou mais precisamente dizer o que é democracia. Xi, na maior desfaçatez possível, passou a vender a ideia de que há uma democracia com características chinesas. Truque que angariou adeptos dentro dos principais partidos políticos do Brasil, inclusive.
A China compra quase tudo e todos. Não resta dúvidas de que a sua mais
recente aquisição é o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Mas, no caso,
parece que não foi bem uma compra e sim, como dizem os seguidores de Stédile,
uma ocupação. Ou seja, a China tomou posse de algo do qual ela se sente
literalmente dona.
Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro”, pesquisador e comentarista sobre segurança e relações internacionais. Escreve semanalmente, desde Washington, D.C.