O ESTADO CRIMINOSO NAS MÃOS DE BANDIDOS NOS AFRONTA
O ex-governador do Rio acumula
privilégios em Bangu 8: sem tranca na cela, dorme na biblioteca com ar
condicionado e é o único detento com autorização para usar internet na
administração do presídio e encomendar comida de restaurantes de fora. Enquanto
esteve na cadeia, sua mulher Adriana recebeu até uma cesta de Natal
O ex-governador do
Rio Sérgio Cabral (PMDB) é acusado de ter desviado dos cofres públicos R$ 300
milhões. Sua mulher, Adriana Ancelmo, implicada por lavagem de dinheiro e crime
organizado. Só em jóias, ela torrou R$ 6 milhões com o dinheiro sujo da propina.
Os dois estão presos – Adriana, agora, em casa. Melhor exílio impossível. Mas
seria de imaginar que ambos estivessem amargando dias terríveis nos desumanos
presídios cariocas, como se vê pela TV. Ledo engano. Cabral, e antes também
Adriana, é tratado com tantos privilégios que nem parece preso. É hóspede vip
no sistema penitenciário, com regalias das mais variadas.
Ao contrário dos demais
detentos, Cabral dorme na biblioteca com ar condicionado, usa internet e
celular na sala da administração, manda lavar em casa a roupa suja, encomenda
comida em restaurantes de fora e, dentro da cela, que sequer possui tranca, desfruta
do que os outros presos jamais podem almejar: três ventiladores e vaso
sanitário, – os demais são obrigados a se contentar com o famoso “boi” (buraco
no chão). Tudo com as bênçãos dos dirigentes do presídio, comandado pelo
governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), afilhado político e ex-vice de Cabral. O
mais escandaloso, porém, foi o que ISTOÉ apurou com exclusividade junto a
fontes de Bangu 8: no dia 24 de dezembro de 2016, entrou na cela individual da
detenta Adriana Ancelmo uma cesta de Natal recheada por peru assado, farofa com
fios de ovos e arroz com passas. Os demais presos passaram o Natal à marmitex
com arroz e feijão. ISTOÉ teve acesso ao registro de entrada da ceia natalina.
Um manuscrito. A mordomia foi autorizada pelo próprio Secretário de Estado de
Administração Penitenciária (SEAP), Cel. Erir Ribeiro Costa Filho,
ex-Comandante-Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro na gestão de Cabral
(2006-2014).
ECOS DA CADEIA Cabral fala
por videoconferência, enquanto a mulher veste roupa de detenta
Para conseguir traçar um
panorama do cotidiano da família Cabral em Bangu 8, ISTOÉ ouviu agentes
penitenciários, parentes de outros presos, fontes ligadas à direção da cadeia e
até do Ministério Público Estadual. Logo ao serem recepcionados, Cabral e
Adriana foram agraciados com o primeiro privilégio: receberam colchões novos,
sem uso. Os demais, não dispõem da mesma sorte. Dormem em colchões fétidos.
Muitas vezes até no chão duro. Os dois puderam levar, ainda, roupas de cama e
banho novas. Outra regalia: uma vez por semana, Cabral manda lavar em casa e
recebe tudo limpinho de volta nos dias de visita. Para os outros presos a
realidade é um pouco mais amarga: eles lavam suas roupas na própria cela.
O Inspetor de Segurança
de Administração Penitenciária e presidente do Sindicato dos Agentes
Penitenciários do Estado do Rio (SINDAPERJ), Wilson Camilo Ribeiro, disse à
ISTOÉ ter provas de que o ex-governador dorme todas as noites na biblioteca com
ar refrigerado do presídio. Cabral também se alimenta de comidas diferenciadas
que pede à cantina, assim como Adriana fazia. Em alguns casos, os pratos são
comprados em restaurantes externos. “Já entregaram aqui comida para eles,
comprada no restaurante Espetto Carioca”, contou Ribeiro.”Adriana também usava
internet na sala de Segurança e Classificação (onde fica a documentação dos
presos) e chegou a receber uma pizza comprada na rua pela própria diretora da
unidade Feminina de Bangu 8 (Rita de Cássia Alves)”, contou uma funcionária do
setor, revoltada com o “poder paralelo” dos dois. A mesma fonte comprova que
ex-governador recebe visitas fora de hora, como está no livro que registra a
entrada de parentes e políticos e que foi mostrado à reportagem de ISTOÉ: entre
24 de novembro e 4 de março, por exemplo, foram 61 visitas, sendo que 32 feitas
somente pelo filho Marco Antonio Cabral, que usa a prerrogativa parlamentar
para encontrar o pai. Muitas dessas visitas, por serem em dias extras, não
passam pelas vistorias de praxe. Até autoridades do governo Pezão, como o
Secretário de Administração Penitenciária, já despacharam com Cabral, como se
ele ainda fosse governador do Estado.
A PROVA Manuscrito
atesta entrada de ceia de Natal para mulher de Cabral
Recentemente,
descobriu-se que as câmeras de vigilância da unidade do ex-governador não
estavam funcionando e, portanto, não havia controle de entrada e saída em sua
cela. Na quinta-feira 23, a Justiça mandou recolher as imagens existentes. O
juiz da Vara de Execuções Penais, Guilherme Schilling Pollo Duarte, analisa o
material. “Simplesmente soltaram os fios das câmeras onde os presos circulavam.
Dentro das unidades prisionais, era como estivessem blindados, nada era visto,
nada passava pelo registro. O sistema penitenciário do Rio é composto por
bandidos, em geral. É totalmente corrupto e desigual”, lamentou um integrante
do quadro da Segurança estadual.
A simples chegada do
casal ilustre fez com que a rotina de Bangu 8 fosse alterada. E algumas
vantagens acabaram se estendendo a todos. Por exemplo, como Cabral se recusou a
vestir a calça do uniforme distribuído na cadeia, o uso de calça jeans, uma
exigência do ex-governador, foi permitido a todos. O presídio também era
rigoroso quanto à utilização dos tênis pelos detentos. Só poderiam ser
fornecidos pela cadeia e limitados a dois tamanhos: 39 para mulheres e 44 para
homens. Mesmo que a presa calçasse 35, como Adriana, ela teria de se contentar
em andar com um sapato quase três dedos maior. Agora, a penitenciária
possibilita que eles encomendem o calçado de casa.
Um ex-agente de segurança
contou à ISTOÉ que o cardápio também foi incrementado. “Panqueca, lasanha,
churrasco e até camarão, nada disso tinha para vender em Bangu 8, até porque os
presos comuns não têm dinheiro para comprar. Agora, esses produtos fazem parte
do cardápio”, afirmou. Cada preso tinha uma cota de R$ 100 para gastar por
semana com a refeição. Depois da chegada da família Cabral, a cota subiu.
Cabral e Adriana chegaram a gastar até R$ 400 por semana cada um. Os familiares
dos detentos também só podiam entrar com duas sacolas de alimentos por semana.
O casal ilustre exigiu três e a nova regra passou a valer para todos.
LAR DOCE LAR Adriana
foi autorizada a voltar para seu luxuoso apartamento no Leblon
Na última semana, ao ser
transferida para a “prisão” domiciliar, um luxuoso imóvel no Leblon, a pretexto
de ter de cuidar dos filhos, Adriana Ancelmo foi recebida debaixo de protestos.
Pudera. No mesmo dia, outra detenta, em situação similar, teve sua liminar
indeferida. Leide Diana Lopes Conde, também está em prisão temporária e é
igualmente mãe de dois filhos – de 3 e 8 anos. O marido também está preso e
recorreu à mesma justificativa da privação imposta às crianças do convívio
materno. Mas o Código Penal que funcionou para Adriana, não valeu para Leide. E
não se aplicam a tantas outras mães mantidas em cárceres Brasil afora. Adriana
não pode ter acesso a celular, mas voltará a viver nababescamente em seu
suntuoso apartamento. Para ela, o crime compensou.
As mordomias de Cabral
O tratamento vip na Penitenciária de Bangu para a família Cabral
As benesses para Cabral
• Dorme na biblioteca, onde tem ar refrigerado
• Tem acesso à internet e celular na sala da administração
• Recebeu colchão novo
• Roupas de cama e banho são lavadas em sua casa (as dos demais presos, somente
na penitenciária)
• Recebe visitas fora do horário
• Tem vasos sanitários ao invés de buraco no banheiro da cela
Os privilégios de sua mulher
• Está cumprindo prisão domiciliar em seu apartamento no luxuoso bairro do
Leblon
• Enquanto esteve em Bangu, recebeu uma recheada cesta de Natal
• Recebia comida de fora do presídio, como do restaurante Espeto Carioca
• Tomava banho de sol em horários diferenciados
• Recebia tênis “de marca” enviados por familiares
• Tinha audiências frequentes com a direção da cadeia sempre que algo a incomodava
Os benefícios dos dois
• O casal gastava em torno de R$ 400 por semana no refeitório, enquanto que o
valor limite estipulado para os demais era de R$ 100
• Por causa deles, foi alterado, no início deste ano, o número de bolsas com
alimentos que os visitantes podem levar para os detentos: de 2 para 3
• Deixou de ser obrigatório o uso do uniforme penitenciário bastando usar calça
ou bermuda jeans, blusa branca e tênis, e tudo pode ser próprio
• Mudança no cardápio oferecido pelas cantinas do presídio que inclui, agora,
também carnes e peixe (até camarão)
• O secretário de Administração Penitenciária foi várias vezes visitar Cabral
para ouvir suas reclamações sobre o presídio
Farra na Sapucaí
A diretora Rita de Cássia
Alves Antunes (foto), a subdiretora Adriana Verissimo, a chefe de segurança
Maria Aparecida e a auxiliar de Segurança Bianca Achur, todas de Bangu 8,
ganharam convites para assistir ao carnaval deste ano na Sapucaí, no camarote
da escola de samba Salgueiro. A constrangedora gentileza foi feita, segundo
denúncia comprovada pelo Inspetor de Segurança de Administração Penitenciária,
Wilson Camilo Ribeiro, pelo deputado federal Marco Antonio Cabral (PMDB-RJ),
filho do ex-governador e ritmista da bateria da agremiação. “Foi cortesia do
filho de Cabral para a diretoria de Bangu 8”, afirmou Ribeiro à ISTOÉ. Um
agrado em troca da proteção dada a Adriana Ancelmo enquanto ela ficou presa em
Bangu 8.