Editorial do Estadão: A Constituição e os supersalários
São ganhos flagrantemente ilícitos, que deixam claro
como a elite da burocracia estatal usa suas prerrogativas para barganhar
vantagens
Por: Augusto Nunes 05/12/2016 às 14:44
O mais escandaloso com relação aos supersalários do funcionalismo público não é apenas o número daqueles que acintosamente desrespeitam o teto de vencimentos estabelecido pela Constituição, hoje fixado em R$ 33.763. É, também, como mostram os últimos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, o fato de que uma maioria expressiva desses privilegiados se concentra no Judiciário – o Poder encarregado de aplicar a Constituição e garantir a segurança do direito.
Segundo
os dados da Rais de 2015, o maior número de servidores com supersalários está
nos Tribunais de Justiça (TJs), onde 3.041 servidores judiciais receberam mais
do que o teto. O recorde foi batido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Além de concentrar o maior número de supersalários de serventuários de todos os
TJs do País, a Corte só tem 1, entre seus 861 juízes e desembargadores,
recebendo dentro do teto. Até a filha do ministro Luiz Fux, a desembargadora
Marianna Fux, que está apenas há sete meses na magistratura, desde o segundo
mês na carreira ganha acima do teto, sob a justificativa de que tem direito a
receber “indenizações” que não são contabilizadas como vencimentos.
Entre
os benefícios concedidos aos magistrados e servidores da Corte destacam-se
auxílio-moradia, auxílio-creche e auxílio-refeição. Benefícios semelhantes
também são pagos a juízes, promotores e defensores públicos em todos os Estados
– há pouco, por exemplo, o Ministério Público de Sergipe decidiu pagar
auxílio-alimentação a todos seus promotores e procuradores retroativo a 2004,
sob a justificativa de dar a eles o mesmo tratamento que o TJ sergipano dá a
seus magistrados.
Os
dados da Rais de 2015 revelam que em segundo e terceiro lugares, depois dos
Tribunais de Justiça, estavam os Executivos federal e estaduais, com 2,5 mil
funcionários recebendo supersalários. Em sua maioria são chefes de departamento
do serviço público, auditores fiscais e agentes de saúde e procuradores. Em
número menor do que nos Executivos federal e estaduais, o Legislativo também
tem funcionários recebendo mais do que o permitido. Na Assembleia Legislativa
do Pará, quatro servidores administrativos receberam entre R$ 114 mil e R$ 118
mil mensais, em 2015. No Senado, dez senadores foram beneficiados com
supersalários, no ano passado. Desse total, nove são das unidades mais pobres
da Federação e alegam que, por terem sido governadores, têm direito adquirido a
aposentadorias “especiais”. Alguns afirmam que, por terem se aposentado antes
da Constituição de 88, não podem ser alcançados por ela em matéria salarial.
“Minha pensão está respaldada pela Constituição de 1967. A Carta de 88 mudou a
regra, mas a perda do direito não retroage”, diz o senador José Agripino,
ex-governador do Rio Grande do Norte. Em 2009, o Tribunal de Contas da União
publicou um acórdão exigindo que o Congresso respeitasse o teto do
funcionalismo. Mas o Senado ignorou o acórdão, alegando que não há condições
técnicas de instituir um teto nacional, uma vez que a União, Estados e
municípios têm orçamentos e folhas de pagamento independentes, preservando os
supersalários dos senadores.
Os
beneficiários de supersalários que não são magistrados ou parlamentares ocupam
cargos superiores nos Três Poderes, o que lhes permite fazer lobby para
continuar recebendo vantagens indevidas, desrespeitando a Constituição. São
ganhos flagrantemente ilícitos, que deixam claro como a elite da burocracia
estatal usa suas prerrogativas para barganhar vantagens. “Receber salários
superiores ao teto constitucional não é exatamente corrupção, mas é tão ilegal
quanto”, afirma o professor de Direito Administrativo da USP Floriano de
Azevedo Marques, depois de lembrar que no total, em 2015, 13 mil servidores públicos
de diferentes poderes e instâncias se encontravam nessa situação.
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