LAVA JATO INVESTIGA VENDA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS POR R$625
MILHÕES
SUSPEITA-SE DA VENDA DE 29 MEDIDAS PROVISÓRIAS NA ERA PT
HÁ PELO MENOS 27
POLÍTICOS CITADOS, COMO LULA, DILMA, TEMER, CUNHA, JUCÁ, RENAN, RODRIGO MAIA E
EUNÍCIO OLIVEIRA
A Operação Lava Jato e
seus desdobramentos colocam em xeque legislações aprovadas no Congresso
Nacional durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. São 29
medidas provisórias com suspeita de terem sido elaboradas ou alteradas na
conversão para lei por pressão de empresas mediante o pagamento de
aproximadamente R$ 625,1 milhões em propina.
Além das MPs, há três
projetos de lei e dois decretos presidenciais, um deles de Michel Temer,
citados nas investigações.
Em valores corrigidos,
a soma é resultado de um levantamento feito com base nos acordos de delação
premiada homologados pelo Supremo Tribunal Federal, nas denúncias oferecidas
pela Procuradoria-Geral da República e nos relatórios produzidos pela Polícia
Federal. O montante pode representar apenas uma parte da corrupção, uma vez que
nem todos os pagamentos supostamente realizados a deputados e senadores estão
discriminados e relacionados à votação acertada.
As investigações também
não determinaram ainda quanto exatamente o País deixou de arrecadar em impostos
com a aprovação dessas leis – a maioria delas concedeu incentivos a setores da
economia a partir de isenções tributárias temporárias. O que se sabe, por meio
de dados coletados nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado, é que a
previsão de renúncia fiscal assumida pelo governo em somente dez MPs sob
suspeita foi de R$ 165 bilhões – maior do que o rombo no Orçamento deste ano,
de R$ 159 bilhões.
Porém, de acordo com o
economista Gustavo Fernandes, professor do Departamento de Gestão Pública da
FGV-SP, essa conta não pode ser classificada de forma simplista como prejuízo
para o País. “É difícil dizer que não saiu nada de bom das políticas de
incentivo concedidas por meio de MPs agora sob suspeita. Por outro lado, está
claro que esse investimento feito pelo governo custou caro e pode até ser
questionado judicialmente”, diz.
A União dos Auditores
Fiscais da Receita Federal (Unafisco), por exemplo, finaliza um levantamento
das normas ainda vigentes para ingressar com uma ação na Justiça pedindo a
anulação das leis e o ressarcimento aos cofres públicos. Especialistas apontam
que, para evitar essas práticas suspeitas, o Brasil precisa regulamentar o
lobby e evitar a criminalização da política.
Propina
O mesmo levantamento
ainda mostra que há pelo menos 27 políticos citados, investigados ou acusados
em esquema suspeito de pagamento por legislações. A lista inclui o presidente
Michel Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma, a cúpula do PMDB no Senado – os
senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e Eunício Oliveira –, além do atual
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha.
Todos negam participação em irregularidades.
Em sua delação, o
ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, listou
15 iniciativas supostamente compradas – duas delas (a MP 252/2005 e o PL
32/2007) sequer foram aprovadas, apesar de a empresa ter pago propina, segundo
ele, durante o processo de debate. “As contribuições eleitorais eram medidas,
definidas e decididas de acordo com a relevância dos assuntos de nosso
interesse defendidos pelo parlamentares”, disse Melo Filho à PGR.
As MPs sob investigação
foram apresentadas entre 2004 e 2015, com destaque para o ano de 2012, que teve
oito das propostas suspeitas (veja quadro nesta página). A medida mais cara, de
acordo com delações de executivos da Odebrecht, foi a MP 627, de 2013. A
empresa teria pago R$ 100 milhões, em valores da época (o equivalente a R$ 129
milhões atualmente), para ver aprovada uma alteração nas regras de tributação
sobre o lucro de empresas brasileiras no exterior. Propina que, segundo Marcelo
Odebrecht, virou caixa 2 para a campanha de reeleição de Dilma.
Condenações
Algumas investigações
já renderam denúncias da PGR e até condenações. Em maio do ano passado, a
Justiça Federal condenou nove pessoas pela compra de duas MPs, a 471, de 2009,
e a 512, de 2010. Os lobistas considerados líderes do esquema receberam penas
por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Transformadas posteriormente em leis pelo então presidente Lula, ambas
concederam incentivos fiscais ao setor automotivo nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste.
No mês passado, o
petista virou réu no caso da MP 471. Segundo o Ministério Público Federal, o
PT, via Lula, recebeu R$ 6 milhões pela edição da norma, acusação contestada
por sua assessoria.
Na semana passada, uma
das legislações sob investigação, o Decreto 9.048/2017, conhecido como Decreto
dos Portos, rendeu ao presidente Michel Temer uma convocação para depor. A
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal
(STF) autorização para ouvi-lo no inquérito que apura suposto favorecimento a
uma empresa que atua no Porto de Santos, em São Paulo.
Defesas
Todos os políticos
procurados pela reportagem negaram as acusações de envolvimento com o
suposto pagamento de propina apontado pela Lava Jato.
A defesa do presidente
da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o deputado está seguro de que a
investigação vai comprovar sua inocência.
Em nota, o senador e
líder do governo no parlamento, Romero Jucá (PMDB-RR) alegou que as Medidas
Provisórias só são levadas adiante se aprovadas pela equipe econômica do
governo, “pois, se não há aprovação das áreas econômicas dos governos, as mesma
são vetadas, uma vez que o presidente da República é quem sanciona qualquer
alteração em leis.”
A assessoria do senador
Renan Calheiros (PMDB-AL) disse que o parlamentar já prestou depoimento sobre
as acusações — e que mostrou não ter feito articulação em defesa das propostas.
“Apresentou todas as provas, documentos e até notas taquigráficas de todas as discussões
dessas MPs”, diz a nota.
O advogado Délio Lins e
Silva Júnior, que representa o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso em
Brasília, se limitou a negar as acusações contra o ex-parlamentar. A equipe do
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), não foi encontrada no dia do
fechamento da reportagem. A defesa da presidente cassada Dilma Rousseff e do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não responderam aos questionamentos até
a conclusão desta edição.
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