Organizações de Direitos Humanos contabilizam
25 mortos e mais de 60 feridos. Mudanças na Segurança Social levaram à revolta,
contra a qual as autoridades responderam brutalmente. O Papa pediu calma.
Ao quarto dia de
protestos em dezenas de cidades da Nicarágua contra a reforma da
Segurança Social do Governo de Daniel Ortega, o número de mortos e
feridos continua a aumentar. No sábado, o Centro Nicaraguense de Direitos
Humanos e outras organizações não-governamentais falavam em pelo menos 25
mortos e 64 feridos, enquanto as autoridades colocavam a cifra em dez mortos.
Mais de 40pessoas estão desaparecidas.
Entre os que perderam a
vida nos confrontos com a polícia, com membros da Juventude Sandinista e com o
exército, está um jornalista que, segundo a imprensa local, foi baleado na
cabeça enquanto fazia um directo para o noticiário El Meridiano, na cidade
de Bluefields. O vídeo do momento foi repetidamente partilhado nas redes
sociais nas últimas horas.
As manifestações começaram na quarta-feira, depois de conhecida uma nova reforma na legislação da segurança social. Com o objectivo de salvar o Instituto Nicaraguense de Segurança Social, o novo pacote reduz as pensões em 5% e aumenta as contribuições fiscais dos trabalhadores e das empresas.A mobilização das forças armadas, a partir de sexta-feira à noite, e a utilização de munições reais para “salvaguardar as instituições públicas” tem sido criticada pelos grupos opositores a Ortega. Na capital foram mesmo colocados snipers no estádio nacional, numa altura em que um grupo de manifestantes derrubava as “Árvores da Vida” – uma estrutura colorida de metal e um dos principais símbolos da presidência de Ortega. As autoridades também têm utilizado balas de borracha e gás lacrimogéneo para travar os protestos.
O Governo da Frente
Sandinista de Libertação Nacional acredita que as medidas lhe permitirão poupar
250 milhões de dólares (cerca de 203 milhões de euros) – 1,5% do PIB –, mas os
agentes económicos locais temem que estas possam resultar num aumento brutal da
taxa de desemprego e numa perda de competitividade económica, escreve o El
País.
As câmaras empresariais
nicaraguenses, cujo apoio foi essencial para Ortega se cimentar no
poder e eliminar praticamente toda a oposição, acusam agora o
Governo de violar o compromisso de “diálogo e consenso”, com a aprovação
unilateral de uma reforma que vêem como nefasta para a já de si débil economia.
Manipulados, diz o
Presidente O ex-guerrilheiro e
actual Presidente – no poder desde 2007, já depois de ter
presidido à Nicarágua entre 1985 e 1990 – só falou ao país no sábado. Apesar de
ter comunicado que pode vir a “reconsiderar” a reforma, Ortega só se mostrou
disponível para ouvir os líderes do sector empresarial, deixando de fora de um
eventual diálogo os representantes dos restantes sectores da sociedade civil.
O Presidente defendeu a
resposta das autoridades aos protestos dos últimos dias e afirmou que os
manifestantes mais jovens estão a ser “manipulados” por grupos de direita e por
“gangsters infiltrados”, financiados pelos EUA. “O que está a acontecer no
nosso país não tem explicação. Os rapazes nem sequer conhecem o partido que os
está a manipular”, rematou Ortega, um antagonista da América dos tempos da
Guerra-Fria.
Os argumentos do chefe de
Estado não convencem, no entanto, os milhares de manifestantes que, para além
de pedirem a sua demissão e a de Rosario Murillo – vice-presidente e mulher de
Ortega –, lamentam que não tenha sido feito qualquer pedido de desculpas pela
actuação violenta das autoridades.
“Estamos nas ruas a pedir
a Ortega e à sua mulher que se vão embora, isto já ultrapassou largamente a
questão da Segurança Social”, critica um manifestante de Manágua, citado
pelo Guardian. “Assistimos a mortes e a ferimentos e ele [Ortega] nem
sequer pediu desculpas pela repressão selvagem contra a população”, censurou.
Este domingo, houve
pilhagens em supermercados, e realizaram-se funerais de alguns estudantes
mortos nos confrontos com a polícia e forças do regime.
Também o Papa olha para a
crise nicaraguense com preocupação. Na oração deste domingo, na Praça de São
Pedro (Vaticano), o chefe da Igreja Católica apelou “ao fim de todas as formas
de violência” na Nicarágua e lamentou o “derramamento desnecessário de sangue”,
citado pela Reuters. Aos envolvidos nos protestos, Francisco pediu “sentido de
responsabilidade”.O gabinete de Direitos Humanos da ONU já mostrou preocupação
com os níveis de violência na Nicarágua e pediu às autoridades para refrearem a
resposta aos protestos.
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