“De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto
ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da
virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
(Rui Barbosa)
Ildo Sauer , que
foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre 2003 e 2007, denunciou em 2011
como José Dirceu entregou o Pré-Sal para Eike Batista.
Dilma chegou ao ponto de vestir a jaqueta de uma empresa concorrente da
“estatal” Petrobras, em agrado a Eike, posando para fotografias que servem para
ilustrar as denúncias do ex-diretor de Gás e Energia da petrolífera comandada
pelo governo.
Em outubro de 2011 Revista Adusp ENTREVISTA ILDO SAUER“o ato
mais entreguista da história foi o leilão de Petróleo Para eike”
Considerado um dos maiores especialistas em energia do país, ex-diretor
da Petrobras no primeiro governo Lula, Sauer conta como foi descoberto o
Pré-Sal e denuncia o lobby feito por José Dirceu para entregar a Eike Batista a
maior parte das reservas.
Revista Adusp: Você ainda
estava na Petrobras, quando o Pré-Sal foi descoberto?
Ildo Sauer - Eu ajudei a
tomar essa decisão. Nós tomamos essa decisão, não sabíamos quanto ia custar. O
poço de Tupi custou US$ 264 milhões, para furar os 3 km de sal e descobrir que
tinha petróleo. O Lula foi avisado em 2006 e a Dilma também, de que agora um
novo modelo geológico havia sido descoberto, cuja dimensão era gigantesca, não
se sabia quanto. Então, obviamente, do ponto de vista político, naquele momento
a nossa posição, de muitos diretores da Petrobras, principalmente eu e
Gabrielli, que tínhamos mais afinidade política com a proposta do PT de
antigamente, a abandonada, achávamos que tinha que parar com todo e qualquer
leilão, como aliás foi promessa de campanha do Lula.
Na transição, ainda a
Dilma falou, “não vai ter mais leilão”. Mas se subjugaram às grandes pressões e
mantiveram os leilões. Fernando Henrique fez quatro, Lula fez cinco. Lula
entregou mais áreas e mais campos para a iniciativa privada do petróleo do que
Fernando Henrique.
Um ex-ministro do governo
Lula e dois do governo FHC foram assessorar Eike Batista. O que caberia a um
governo que primasse por dignidade? Cancelar o leilão. Por que não foi feito?
Porque tanto Lula, quanto Dilma, quanto os ex-ministros, estavam nessa
empreitada”
Revista Adusp: Mas
Gabrielli era contra e acabou concordando?
Ildo Sauer - Não. A
Petrobras não manda nisso, a Petrobras é vítima, ela não era ouvida. Quem
executa isso é a ANP [Agência Nacional do Petróleo], comandada pelo PCdoB, e a
mão de ferro na ANP era da Casa Civil. Então a voz da política energética era a
voz da Dilma, ela é que impôs essa privatização na energia elétrica e no
petróleo. Depois do petróleo já confirmado em 2006, a ANP criou um edital pelo
qual a Petrobras tinha limitado acesso. Podia ter no máximo 30% ou 40% dos
blocos, necessários para criar concorrência. Porque, em 2006, Tupi já havia
sido furado e comunicado. O segundo poço de Tupi, para ver a dimensão, foi
feito mais adiante, esse ficou pronto em 2007. Só que o Lula e a Dilma foram
avisados pelo Gabrielli em 2006.
Muitos movimentos sociais
foram a Brasília, nós falávamos com os parlamentares, os sindicatos foram
protestar. O Clube de Engenharia, que é a voz dos engenheiros, mandou uma carta
ao Lula, em 2007, pedindo para nunca mais fazer leilão.
Em 2005-6, o [Rodolfo]
Landim, o queridinho do Lula e da Dilma, saiu da Petrobras. Porque o consultor
da OGX, do grupo X, do senhor [Eike] Batista, era o ex-ministro da Casa Civil
(José Dirceu), e ele sugeriu então que Eike entrasse no petróleo. Aí ele
contratou o Landim, que começou a arquitetar. Como o centro nevrálgico da
estratégia da Petrobras é a gerência executiva de exploração, o geólogo Paulo
Mendonça, nascido em Portugal, formado aqui na USP, e o Landim, articularam
para em 2007 criar uma empresa nova, a partir dos técnicos da Petrobras. E o
senhor Batista queimou alguns milhões de dólares para assinar os contratos e
dar as luvas desses novos cargos, que estavam dentro da Petrobras mas, desde que
o Landim foi trabalhar com o senhor Batista, ele já estava lá para arrancar de
dentro da Petrobras esses técnicos.
Aí chegou o fim de 2007,
todos nós pressionando para não ter mais leilão, o Lula tira 41 blocos… Mas
vamos voltar a 2006. Em 2006, quem anulou o leilão foi a Justiça, por
discriminação contra a Petrobras fazer essas coisas. Ouvi isso da Jô Moraes,
num debate na Câmara dos Deputados.
Só que aí se criou o
seguinte imbróglio: um ex-ministro do governo Lula e dois do governo Fernando
Henrique, Pedro Malan e Rodolpho Tourinho, foram assessorar o Eike Batista. Ele
já tinha gasto um monte para criar sua empresa de petróleo. Se o leilão fosse
suspenso, ele ia ficar sem nada, e já tinha aliciado toda a equipe de
exploração e produção da Petrobras.
O que caberia a um
governo que primasse por um mínimo de dignidade para preservar o interesse
público? Cancelar o leilão e processar esses caras que saíram da Petrobras com
segredos estratégicos. Por que não foi feito? Porque tanto Lula, quanto Dilma,
quanto os ex-ministros, os dois do governo anterior e um do governo Lula,
estavam nessa empreitada.
Revista Adusp: Quem era o
ex-ministro?
Ildo Sauer - O ex-chefe
da Casa Civil, antecessor de Dilma.
Revista Adusp: José
Dirceu?
Ildo Sauer - É, ele foi assessor
do Eike Batista, consultor. Para ele, não era do governo, ele pegou contrato de
consultoria, para dar assistência nas negociações com a Bolívia, com a
Venezuela e aqui dentro. Ele [Dirceu] me disse que fez isso. Do ponto de vista
legal, nenhuma recriminação contra ele, digamos assim. Eu tenho
(recriminação)contra o governo que permitiu se fazer.
E hoje ele [Eike] anuncia
ter 10 bilhões de barris já, que valem US$ 100 bilhões. Até então, esse senhor
Batista era um milionário, tinha cerca de US$ 200 milhões. Todo mundo já sabia
que o Pré-Sal existia, menos o público, porque o governo não anunciou
publicamente. As empresas que operavam sabiam, tanto que a Ente Nazionale
Idrocarburi D’Italia (ENI) pagou US$ 300 milhões por um dos primeiros poços
leiloados em 2008. Três ou quatro leilões foram feitos quando o leilão foi
suspenso pela justiça. Até hoje, volta e meia o [ministro] Lobão ameaça retomar
o leilão de 2008, 2006. A oitava rodada. Para entregar. Tudo em torno do
Pré-Sal estava entregue naquele leilão.No leilão seguinte, o governo insiste em
leiloar. E leiloou. E na franja do Pré-Sal é que tem esse enorme poderio.
Como é que pode? A
empresa dele (Eike) foi criada em julho de 2007. Em junho de 2008 ele fez um
Initial Public Offering, arrecadou R$ 6,71 bilhões por 38% da empresa, portanto
a empresa estava valendo R$ 17 bilhões, R$ 10 bilhões dele. Tudo que ele tinha
de ativo: a equipe recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados
por Lula e Dilma. Só isso. Eu denunciei isso já em 2008. Publicamente, em tudo
quanto é lugar que eu fui, eu venho falando para que ficasse registrado antes
que ele anunciasse as suas descobertas. Porque fui alertado pelos geólogos de
que lá tinha muito petróleo.
Foi um acordo que
chegaram a fazer, numa conversa entre Pedro Malan, Rodolpho Tourinho e a então
ministra-chefe da Casa Civil (Dilma), em novembro, antes do leilão. O Lula
chegou a concordar, segundo disse o pessoal do MST e os sindicalistas, em
acabar com o leilão. Mas esse imbroglio, de o empresário ter gasto dezenas de
milhões de dólares para recrutar equipe e apoio político nos dois governos fez
com que eles mantivessem… Tiraram o filé-mignon, mas mantiveram o contra-filé.
O contra-filé é alguém que hoje anuncia ser o oitavo homem mais rico do mundo.
E tudo foi mediante essa
operação no seio do governo. Contra a recomendação dos técnicos da Petrobras,
do Clube de Engenharia, do sindicalismo. Foi a maior entrega da história do
Brasil. O ato mais entreguista da história brasileira, em termos econômicos.
Pior, foi dos processos de acumulação primitiva mais extraordinários da
história do capitalismo mundial. Alguém sai do nada e em três anos tem uma
fortuna de bilhões de dólares.
A Petrobras durante a
vida inteira conseguiu descobrir 20 bilhões de barris de petróleo, antes do
Pré-Sal. Este senhor, está no site da OGX, já tem 10 bilhões de barris
consolidados. Os Estados Unidos inteiros têm 29,4 bilhões de barris. Ele
anuncia que estará produzindo, em breve, 1,4 milhão de barris por dia — o mesmo
que a Líbia produz hoje.
É esse o quadro. Ou a
população brasileira se dá conta do que está em jogo, ou o processo vai ser o
mesmo de sempre. Do jeito que foi-se a prata, foi-se o ouro, foram-se as
terras, irão também os potenciais hidráulicos e o petróleo, para essas
negociatas entre a elite. O modelo aprovado não é adequado. Mantém-se uma aura
de risco sem necessidade, para justificar que o cara está “correndo risco”, mas
um risco que ele já sabe que não existe.
Qual é a nossa proposta?
Primeiro, vamos mapear as reservas: saber se temos 100 bilhões, 200 bilhões,
300 bilhões de barris. Segundo, vamos criar o sistema de prestação de serviço:
a Petrobras passa a operar, recebe por cada barril de petróleo produzido US$ 15
ou US$ 20, e o governo determina o ritmo de produção. Porque há um problema: a
Arábia Saudita produz em torno de 10 milhões de barris, a Rússia uns 8 milhões
de barris, depois vêm os outros, com2 a4 milhões de barris por dia: Venezuela,
Iraque, Irã. O Eike Batista anuncia a produção de 1,4 milhão de barris, a
Petrobras anuncia 5 milhões de barris e pouco. Significa que o Brasil vai
exportar uns 3 ou 4 milhões de barris. Já é o terceiro ator. Não se pode fazer
mais isso.