Crise do Estado do Rio deixa famílias inteiras na penúria
Devido a atrasos de salários, funcionários
vivem de doações e ajuda dos amigos
Rio - Eles não
esperavam que, um dia, amargariam a penúria. Depois de uma vida de estudos e de
dedicação ao serviço público, funcionários estaduais ativos, aposentados e
pensionistas hoje pagam a conta de uma grave crise financeira, se endividando e
dependendo de ajuda até para comer. Em alguns casos, famílias inteiras são
atingidas, quando todos dependem dos salários que o estado vem atrasando.
'Já perdi a conta dos
consignados que tenho. Agora, penso só no hoje. No que eu consigo pagar hoje'.
Elzi Cordeiro, aposentada . “Como a gente pode viver disso?”, indagou o
professor aposentado Ézio Azevedo, de 74 anos, que ainda foi vítima de um AVC
hemorrágico, que o deixou de cadeira de rodas, quando a crise já tinha
estourado, em novembro. Sem a integralidade do salário, ele também vivenciou a
carência de recursos nos hospitais estaduais: “Não tinha estrutura e os
remédios eram obsoletos... só que fui muito bem atendido, pois os médicos e
servidores, mesmo sem pagamento, são abnegados”, diz.
Avô da também servidora
estadual Thaisi Andrade, 28 (que é assistente administrativa), Ézio cortou os
poucos gastos que tinha e vive da ajuda dos filhos. “Um deles saiu da cidade
onde mora para cuidar de mim. Eu ainda tenho quem me ajude. E quem não tem?”,
lamenta.
Os remédios que toma
devido à doença foram todos doados: “São amostras grátis dadas pelo médico
particular com quem me consultei. Ele disse que a causa do AVC foi emocional,
em meio a essa situação. Não sou hipertenso”.
Geladeira
vazia e acúmulo de contas: a servidora Thaisi tenta driblar a situação e
sustentar os filhos com ajuda de amigos. Seu avô, Ézio sofreu um AVC em meio à
crise
Já Thaisi, que é mãe de
duas crianças — um menino de um ano e uma menina de três —, é casada e, quando
o marido perdeu o emprego em dezembro de 2015, ela se tornou a única fonte de
renda da família. “No início deu para contar com meu salário, mas depois
começou a atrasar. A gente pagava aluguel, mas por conta da situação voltamos à
casa própria da minha família (no mesmo terreno do avô)”, diz.
Geladeira vazia e acúmulo
de contas: a servidora Thaisi tenta driblar a situação e sustentar os filhos
com ajuda de amigos. Seu avô, Ézio sofreu um AVC em meio à criseSandro Vox /
Agência O Dia
Para garantir alimento, a
luz e o gás em casa, ela conta com a solidariedade de familiares e amigos.
“Vivemos com a ajuda deles e priorizo as contas de casa. Já os cartões nem
sempre dão para pagar. Estou endividada”, lamenta a servidora, que recebe
dinheiro da mãe para pagar a passagem e ir trabalhar. “As parcelas de
financiamento do nosso carro estão em atraso”, acrescenta.
A situação deles não é
diferente da professora aposentada Maria José Ferreira, que trabalhou por 34
anos no estado. Ela paga aluguel e sofre com osteoporose, entre outros
problemas de saúde. “Amigos emprestam dinheiro e peguei cestas básicas que são
distribuídas pelos sindicatos”, comenta.
Agora, Maria José está
sem tomar remédios, pois, além de caros, não são fáceis de ser encontrados em
distribuições gratuitas. “Tenho problemas também de colesterol e artrose. Estou
sem cuidar da saúde”, lamenta.
Na última quinta, ela
participou — com cuidado — de ato do Movimento Unificado dos Servidores
Públicos Estaduais (Muspe): “Sempre lutei muito”. “Trabalhei por anos no
estado, tenho pós-graduação... Agora, devo o cheque especial. É tudo uma bola
de neve. E a dívida não fui eu que fiz”, acrescenta.
'Trabalhei por anos no
estado. Agora, devo o cheque especial. E a dívida não fui eu que fiz'. Maria
José, aposentadaPaloma Savedra .
Empréstimos consignados em bancos pioram situação
“Já perdi a conta dos
empréstimos consignados que tenho em bancos. Devo ter uns dez”, comenta a
professora aposentada Elzi Cordeiro, 65, que é viúva e, para sobreviver em meio
às incertezas de pagamento, usa todos os recursos disponíveis.
“Coloquei joia no penhor. E com a idade que tenho, penso só no hoje. É o que eu consigo pagar hoje. Assim que está sendo”, conta Elzi, que entrou em 1972 para o estado.
“Coloquei joia no penhor. E com a idade que tenho, penso só no hoje. É o que eu consigo pagar hoje. Assim que está sendo”, conta Elzi, que entrou em 1972 para o estado.
Na ativa, a técnica
universitária, Laura Vasconcelos, 60 anos, tem uma filha ainda jovem e é a
única fonte de renda da casa. Ela tem a ajuda de amigos e conta com a doação de
cestas básicas que o Muspe arrecada. “Já imaginou uma pessoa, a essa altura da
vida, depois de se matar de estudar, ter de depender da caridade alheia para
comer? Estou com condomínio atrasado. A sorte é que muitos sabem dessa
situação”, lamenta.
A pensionista Cláudia
Nascimento, 44, que é líder de grupo de beneficiárias de pensões da Polícia
Militar, teve que trancar a Faculdade de Serviço Social. Hoje, ela busca ajudar
outras pensionistas arrecadando doações até na Ceasa: “Há idosas que dependem
disso para comer e sobreviver”.
HISTÓRICO DOS ATRASOS
Os servidores começaram a
ter seus salários afetados em dezembro de 2015, quando a folha de novembro foi
paga. De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Planejamento (antes da
fusão com a Secretaria de Fazenda), até o o mês referência outubro de 2015, o
crédito de inativos era feito no 1º dia útil do mês seguinte ao trabalhado, o
dos ativos no 2º dia útil e o dos pensionistas, nos últimos cinco dias úteis do
próprio mês referência.
Mas, logo em dezembro,
novas medidas já deram sinais do que estaria por vir: os créditos foram feitos
em duas etapas: inativos e ativos que ganhavam até R$ 2 mil líquidos receberam
o valor integral nos dias 1º e 2 de dezembro e para os que ganhavam acima foram
depositados R$ 2 mil naquelas datas. A diferença foi quitada no dia 4 de
dezembro.
Em março de 2016, o
estado publicou decreto definindo o calendário de pagamento até o 10º dia útil.
Hoje, os salários de novembro de 2016 ainda estão sendo pagos em parcelas para
diversas categorias e não se pensa nem em data de décimo terceiro.
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