Vítima do clima
persecutório que tomou conta da Justiça, após a manipulação política da Lava
Jato, paradoxalmente o ex-governador fluminense Anthony Garotinho é o exemplo
mais contundente da relevância da justiça federal – e do Ministério Público
Federal – contra o crime organizado incrustado nos poderes de alguns estados. O
desabafo que fez nas redes sociais, na tarde de sábado, é a manifestação mais
completa, até agora, sobre a tomada do Rio de Janeiro por uma aliança política
que junta todos os poderes e a mídia. Pelo retrato traçado por Garotinho, o crime
organizado se instalou no Executivo estadual através
do ex-governador Sérgio Cabral; espalhou-se pelo Legislativo, pelas mãos de
Jorge Picciani; foi blindado no Judiciário, pela influência do desembargador
Luiz Zveitter e pela prevaricação do Ministério Público Estadual; tudo isso sob
a proteção incondicional das Organizações Globo. Trata-se de um depoimento
essencial por dois motivos. Primeiro, pelo fato de Garotinho ter começado a
denunciar o esquema em 2012, não sendo levado a sério. Todas suas denúncias
revelaram-se corretas. Depois, porque Garotinho diz possuir provas documentais
do que fala. Partindo de quem está sendo alvo de uma pesadíssima campanha
persecutória, movida pelos poderes estaduais, é duvidoso que esteja blefando. Suas
denúncias atingem os seguintes personagens:
Sérgio Cabral
Em 2012, na CPMI de
Carlinhos Cachoeira, Garotinho tentou incluir Sérgio Cabral, apontando-o como
beneficiário das propinas da construtora Delta, de Fernando Cavendish. Não
logrou êxito, nem quando entrou com uma queixa-crime contra Cabral. Instalada
no Rio de Janeiro, as Organizações Globo passaram todo o período
desqualificando a CPMI, para proteger Roberto Civita, o dono da Abril que se
meteu em parcerias criminosas com o bicheiro Cachoeira, e o próprio Cabral.
Tanto que, na época, seu nome pouco aparece.
A blindagem a Cabral só
caiu quando houve um acidente de helicóptero. E, no celular de uma das vítimas,
estavam as fotos da chamada “gang dos guardanapos” celebrando em um restaurante
fino de Paris a compra das Olimpíadas. As fotos se constituíram no documento
mais expressivo desses tempos de corrupção.
Luiz Zveitter e o Tribunal de Justiça
Em 2012, ainda, foi
divulgado um áudio de
conversa de Cavendish, jactando-se de comprar políticos,
senadores e magistrados. Afirmava que nunca seria preso porque pagava propinas
em todas as obras, inclusive nas obras do Tribunal de Justiça do Rio. Garotinho
conta ter ido atrás do contrato da obra. Assinaram, pela Delta Dionisio
Gonzaga, e pelo TJ o presidente Luiz Zveitter, o poderoso desembargador considerado
unha e carne com a Globo. Garotinho teria solicitado, então, ao Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) um relatório sobre a obra. Recebeu com conclusões
contundentes. Apontava superfaturamento, anotava que o edital não passou pelo
crivo da assessoria jurídica do Tribunal, havia indícios de fraude fiscal e
tributária. E – principalmente – sinais claros de que a licitação era dirigida
para a Delta. O edital foi aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE),
antes de cinco dos conselheiros serem afastados por suspeita de corrupção. Mas
técnicos do Tribunal apresentaram voto divergente apontando:
ü Pagamento
de R$ 33 milhões a mais do que o que havia sido contratado;
ü Vários
itens pagos não haviam sido realizados.
ü Alguns
itens foram atestados como concluídos sem estarem.
As obras foram bancadas
por dinheiro do fundo do TJ do Rio, implantado pelo próprio Garotinho em sua
gestão. As represálias teriam ocorrido imediatamente. Temendo que protocolasse
a denúncia, uma pessoa procurou Garotinho, em nome de Zveitter. Teria sido
recebida, segundo Garotinho, para preservar imagem de pessoas que poderiam ser
inocentes, já que Cavendish citava Ministros, desembargadores e juízes. Posteriormente,
Cavendish reiterou as denúncias, mas desta vez
em delação premiada. Até hoje não houve um desdobramento sequer
delas.
Como represália, por
duas vezes a Justiça do Rio tentou cassar sua esposa Rosinha, prefeita de
Campos. A primeira tentativa foi derrubada por liminar do Ministro Og
Fernandes; a segunda, por liminar de Herman Benjamin. Não é coincidência que,
após ter denunciado o esquema de Campos, na primeira ação julgada pelo Tribunal
do Rio de Janeiro, eu tenha sido condenado pelo desembargador Cleber
Ghelfenstein por difamação contra... Eduardo Cunha. Segundo o magistrado, eu
teria equiparado Cunha a sonegadores. Montaram, então, um esquema pesado em
Campos – já descrito
pelo GGN em reportagens do ano passado. Dois juízes de direito,
um delegado da Polícia Federal e um policial civil aposentado seriam os
integrantes da organização acionada por Zveitter. Sobre eles, se falará mais
abaixo.
A Operação Chequinho
Primeiro, deflagram a
Operação Chequinho, visando encontrar irregularidades na distribuição do cheque
– um programa para famílias pobres que antecedeu a própria Bolsa Família.
Resultou na prisão de Garotinho. A violência com que ocorreu a prisão, com
Garotinho sendo arrancado à força de um hospital, chamou atenção para o juiz
Glaucenir Silva de Oliveira, uma dessas bestas-feras que o punitivismo deixou à
solta. E não apenas para ele, mas para a crueldade ímpar com que a Globo e
alguns de seus jornalistas – como Arthur Xexéo - fuzilaram a família Garotinho,
não poupando sequer as lágrimas da filha. Segundo narrou Garotinho, na operação
Chequinho o delegado Cassiano entrava da casa de beneficiários do programa, de
bermudas, fazendo por lá mesmo as oitivas. Não permitia à pessoa entrar em
contato com advogado, em ficar calada. Segundo ele, quando o processo saiu das
mãos do juiz Ralph Manhães, várias dessas testemunhas, cidadãos humildes, declararam
ter sido coagidas, muitas delas assinando os depoimentos sem terem lido. O
delegado saia da casa das pessoas, ia à lan houve, imprimia os documentos e as
constrangia a assinar. A alegação do juiz Glaucenir, para a truculência contra
Garotinho, foi a de que um emissário dele o teria procurado com uma proposta de
suborno. Garotinho abriu um processo contra o juiz, que não conseguiu provar o
ocorrido. Mesmo processando e sendo processado por Garotinho, Glaucenir não se
deu por impedido de julgá-lo novamente.
A operação Caixa Dágua
A segunda investida foi
na chamada Operação Caixa D´Agua, um monumento à arbitrariedade. A operação
nasceu de uma delação, acusando Garotinho de receber R$ 3 milhões da JBS,
através do caixa 2. A denúncia foi feita pelo promotor eleitoral. Nela, ignorou
completamente o fato de que foi doação oficial para o PR, registrada no site do
Tribunal Regional Eleitoral, com dados sobre o número do cheque e o valor – no
vídeo, Garotinho mostra os dados oficiais. Depois, a doação foi repassada para
Garotinho, tudo de modo oficial. O promotor fez uma falsa denúncia,
desconsiderando as informações oficiais do TRE, encaminhou ao mesmo juiz
Glaucenir, que endossou a acusação. Não havia uma informação sobre
contrapartidas, indícios de crime algum. Apenas um delator e uma falsa
denúncia. E levou à prisão de Garotinho e da esposa Rosinha. Segundo Garotinho,
o delator tinha negócios com a prefeitura, na gestão do seu adversário
político, prefeito Rafael Diniz. Na delação, acusou Garotinho de ter recebido
doações não declaradas nas eleições de 2010, 2012 e 2016. Segundo Garotinho, na
mesma delação ele informava não se lembrar dos doadores nem dos valores. Nem
tinha documentos para embasar as acusações. Mesmo assim, Garotinho foi
arrancado do programa que mantem na rádio Tupi Pelo delegado federal Paulo
Cassiano.
Os personagens do jogo
Após o episódio
traumático da prisão de Garotinho, sendo retirado à força de um hospital onde
tratava de problemas cardíacos, sob cobertura total da Globo, com Xexeo ridicularizando
até o choro da filha, o GGN resolveu investigar o caso. Em um conjunto de
matérias levantamos os antecedentes e desdobramentos daquela operação
destrambelhada. E encontramos um jogo complexo, de estruturas políticas
controlando a prefeitura de Campos, envolvendo o prefeito, dois juízes de
direito, um promotor de Justiça, um delegado da Polícia Federal e um policial
civil aposentado, todos de valendo das prerrogativas do cargo, sem serem
submetidos a nenhuma espécie de controle das instâncias superiores –
comprovando uma ofensiva verticalizada contra Garotinho, iniciando nas
autoridades municipais e se desdobrando nos órgãos superiores do estado até
bater no guarda-chuva maior das Organizações Globo. O jogo começava com o
procurador eleitoral que fazia a denúncia, que era aceita pelo juiz Glaucenir.
Este tomava a decisão de mandar prender Garotinho e, depois, passava o caso
para o juiz estadual Ralph Manhães, acompanhado do promotor Leandro Manhães. Como
era supostamente crime eleitoral, de âmbito federal, as investigações eram
realizadas pelo delegado federal Paulo Cassiano. Segundo informações
apresentadas por Garotinho nas redes sociais:
1. O
delegado Cassiano tem irmão e irmã em cargos de confiança na gestão atual de
Campos, do prefeito Rafael Diniz. Foi denunciado à corregedoria da PF, sem que
nenhuma medida tenha sido tomada.
2. A
delação que o incriminou foi homologada no dia 17 de novembro. A sentença saiu
no mesmo dia. No dia 14 de novembro, a empresa do delator teria obtido da
prefeitura o quinto aditivo a um contrato, no valor de R$ 2,7 milhões. Ao longo
do ano, recebeu mais de R$ 5 milhões a título de reformas de escola e creche.
3. Desde
2015, o promotor Leandro Manhães responde a procedimento de investigação
criminal no âmbito do MPE – sem que nenhuma medida tenha sido tomada até
agora. Segundo Garotinho, relatório do serviço de inteligência da
Polícia Civil o teria apontado como verdadeiro dono do Patio
Norte, empresa responsável pela remoção de veículos acidentados
e por leilões judiciais da cidade. Na gestão Rosinha, a empresa foi devolvida
ao município. Com Rafael Diniz, entregue novamente ao esquema. Em 2015
Garotinho informou o MPE das irregularidades. Nenhuma providência foi tomada,
sequer gerando impedimento da atuação de Leandro contra a pessoa que o
denunciou.
Ex-prefeito Eduardo Paes
A metralhadora
giratória de Garotinho não se deteve apenas no grupo que o ataca. Segundo ele,
dispõe de documentação mostrando conta do ex-prefeito Eduardo Paes no Panamá,
tendo o pai como laranja. A conta teria saldo de US$ 8 milhões. A corrupção de
Paes teria ocorrido através das organizações sociais da saúde e dos gastos com
as Olimpíadas – muito maiores do que os gastos do estado.
O PF José Mariano Beltrame
Não escapa da denúncia
nem o ex-Secretário de Segurança de Cabral, José Mariano Beltrame,
ex-integrante da inteligência da Polícia Federal. Garotinho o acusa de uma
compra de veículos para a Polícia Militar, modelo Gol, cada qual saindo por R$
150 mil. No mesmo período, caminhonete top de linha custava R$ 120 mil. A
compra foi feita contra parecer jurídico da própria Secretaria de Segurança.
Organizações Globo
Garotinho diz que,
quando o deteve, a PF o conduziu em um carro não caracterizado, com policiais
com roupas comuns. E eles teriam retido vários pen drives que ele trazia
consigo. Um dos pen drives conteria a íntegra da delação premiada de J. Hawila
ao FBI. Segundo Garotinho, haveria vários documentos comprovando o envolvimento
direto da família Marinho com o suborno de dirigentes esportivos.
A Globo e as armas do deboche
Em 2004, uma
jovem procuradora entrou com uma ação contra a Globo, obrigando-a a
assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, por informações distorcidas sobre
crianças com deficiência em suas novelas. Foi alvo de duas colunas de Xexéo
tentando desmoralizá-la. A procuradora reagiu, e ameaçou processar Xexéo. De
dentro da própria Globo, recebeu o recado de seu porta-voz: - Cuidado que Xexéo
tem espaço no jornal e se especializou em transformar pessoas em personagens
grotescos, como fez com Rosinha Garotinho. Foi o que fez com a filha do casal
Garotinho, Larissa, zombando das lágrimas de uma filha pela situação a que
estava exposto o pai.
As lições do caso
A Lava Jato e o
movimento do impeachment colocaram nas mãos da Globo um poder absoluto. Com o
mero controle das manchetes e da cobertura do Jornal Nacional, com a capacidade
de retaliar ou de premiar, a Globo se tornou uma influência decisiva junto ao
Poder Judiciário e, especialmente, junto ao Ministério Público Federal. Só
avança inquérito que recebe o aval da Globo. E aparecer em um dos jornais da
emissora é a aspiração máxima de um grupo de procuradores ativistas de Twitter.
Os Zveitter mantêm seu poder, porque a Globo quer. Uma reportagem da Globo
tiraria o TCE do comodismo atual, mas a Globo não quer. Uma organização
criminosa viceja em Campos de Goytacazes. E a Globo fecha os olhos, porque
inimigos dos meus inimigos são meus amigos. O papel central de um grande
veículo de mídia, em países civilizados, é o de combater as disfunções dos
demais poderes. A denúncia séria de veículos sérios é peça central nos
processos de auto-regulação de um país. São os batedores que farejam o mal
feito, alertam a opinião pública e, através dela, acionam-se os demais poderes.
A bandeira anticorrupção da Globo tem lado. E ela usa de acordo com critérios
comerciais, não critérios cidadãos. É o que explica o arrefecimento da campanha
contra Temer, coincidindo com aumento da publicidade oficial. Ou os rios de
dinheiro despejados nela pela suspeitíssima Confederação Nacional do Comércio –
que coopta não apenas o grupo, mas seus jornalistas. É o que explica,
igualmente, que, no estado sede do maior grupo de comunicação da América
Latina, tenha vicejado o mais nefasto esquema de corrupção do país. Hoje em
dia, a corrupção fluminense é o maior argumento em favor da federalização dos
crimes estaduais, do papel do MPF e da PF. Mas toda essa ação tem limites: o
Executivo e o Legislativo. Acima disso, entra-se no território protegido da
Globo. E mostra que um dos pontos centrais de legitimação da mídia – o de,
através do “furo”, não esconder sujeira debaixo do tapete – é exercido,
atualmente, só pela imprensa alternativa. Combate à corrupção que tem lado, é
briga de quadrilha.
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