Decisão restringe contato pessoal a advogados e familiares
próximos
RIO - O ex-governador
do Rio Anthony Garotinho (PR) foi preso pela Polícia Federal (PF) na manhã
desta quarta-feira, por volta das 10h30m, na porta da Rádio Tupi, em São
Cristóvão, Zona Norte do Rio, onde apresenta seu programa diário de rádio. A
Justiça condenou Garotinho por compra de votos e determinou que ele cumpra
prisão domiciliar. A condenação total é de 9 anos, 11 meses e 10 dias em regime
fechado.
A decisão estabelece
ainda o uso de tornozeleira eletrônica, proíbe a utilização de telefones
celulares e restringe o contato pessoal a advogados e familiares próximos —
mãe, netos, filhos e a mulher, a ex-governadora do Rio Rosinha Garotinho (PR).
A medida será cumprida em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, na casa
que o ex-governador mantém no bairro da Lapa.
No entendimento da
Justiça, o grupo comandado por Garotinho segue cometendo crimes, como ameaça a
testemunhas e destruição de provas — há ainda uma denúncia, que está sendo
apurada em outro processo, de tentativa de suborno ao juiz Glaucenir de
Oliveira, quando ele esteve à frente da "Operação Chequinho". Essas
evidências, segundo a decisão, justificam a necessidade imediata de prisão.
Além da medida
cautelar, Garotinho foi condenado à prisão em regime fechado por corrupção
eleitoral, associação criminosa e supressão de documentos públicos. No entanto,
esta condenação precisa ser confirmada em segunda instância para que a reclusão
passe a vigorar.
Segundo a sentença,
assinada pelo juiz Ralph Manhães, da 100ª Zona Eleitoral, a prefeitura de
Campos, então comandada por Rosinha — Garotinho era o secretário de Governo —,
desembolsou R$ 11 milhões entre junho e agosto do ano passado num esquema
paralelo do programa Cheque Cidadão.
O processo traz notas
fiscais registrando as transações. Os cartões eletrônicos, cada um com R$ 200,
foram distribuídos por candidatos a vereadores aliados do casal a potenciais
eleitores.
O objetivo era montar
uma base de sustentação na Câmara Municipal para o candidato governista à
prefeitura, Dr. Chicão (PR), que acabou derrotado. Ao todo, 17.500 pessoas
fizeram parte do cadastro irregular.
IDEALIZADOR DE ESQUEMA
Garotinho foi apontado
pela investigação, conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do
Estado do Rio (MP-RJ), como o idealizador do esquema.
Ele convocou uma
reunião em que o mecanismo de atuação ficou definido. Um formulário foi criado
e, à noite, cabos eleitorais dos candidatos iam à prefeitura para recolher os
papéis, que eram levados para as bases eleitorais de cada um.
Após serem preenchidos
pelos interessados, os formulários eram levados de volta para a sede da
administração municipal, sempre fora do horário de expediente.
Doze digitadores foram
contratados especificamente para passarem ao computador os nomes dos beneficiários
que iriam compor o cadastro irregular.
Os nomes eram enviados
por e-mail para a Vale Card, empresa responsável por inserir os créditos nos
cartões do Cheque Cidadão. Depois, os cartões eram entregues para os potenciais
eleitores.
O carro que levou
Garotinho preso, na frente do prédio (amarelo) da rádio Tupi, onde o
ex-governador apresneta programa diário - Marco Grillo / Agência O Globo
O sistema todo operava
em paralelo ao mecanismo formal do programa, que exige uma análise prévia para
que assistentes sociais avaliem se os interessados preenchem os requisitos
necessários, como a renda familiar.
Não houve nenhum ato
formal do governo autorizando a entrada dos novos 17.500 nomes.
Como o Cheque Cidadão,
oficialmente, estava congelado para novos ingressos, a notícia sobre
beneficiários recebendo cartões gerou incompreensão em quem estava formalmente na
fila de espera.
A prefeitura, então,
decidiu fazer o processo inverso ao habitual: chamou assistentes sociais para
chancelarem as entradas daqueles que haviam sido indicados por vereadores.
Houve reação, o que deu início à investigação que resultou na condenação de
Garotinho.
Ainda de acordo com a
decisão, a prefeitura, que passava por dificuldades financeiras, pagou os R$ 11
milhões com recursos obtidos de um empréstimo junto à Caixa Econômica Federal,
no valor total de R$ 308 milhões.
A operação, que ficou
conhecida como "Venda do futuro", consistiu na antecipação de verba
que seria arrecadada com royalties do petróleo, a principal fonte de receita do
município.
A autorização para o
empréstimo aconteceu em meio à análise, na Câmara dos Deputados, do processo de
impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff (PT).
Clarissa Garotinho
(PRB), filha do ex-governador, se dissera favorável ao afastamento, mas pediu
licença da Câmara e não votou. Ela estava no fim da gravidez e, na ocasião,
atribuiu a licença médica ao fato de ter passado mal.
OPERAÇÃO CHEQUINHO
A Operação Chequinho
investiga suposta fraude nas eleições municipais de Campos no ano passado com o
uso do programa assistencial Cheque Cidadão.
Em novembro, o
ex-governador chegou a ser preso preventivamente junto com vereadores do
município fluminense, mas obteve habeas corpus do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
Na ocasião, a prisão
foi decretada pelo juiz Glaucenir Silva de Oliveira, que atua como juiz
substituto na 100ª Zona Eleitoral.
No início de junho,
o Ministério Público (MP) pediu a prisão do ex-governador, após
a testemunha-chave da Operação Chequinho, Elizabeth Gonçalves dos Santos,
denunciar à PF ter sofrido ameaças.
TESTEMUNHA
ADMITIU CRIME
Considerada testemunha-chave
da Operação Chequinho, Elizabeth fez a denúncia em maio. A pressão
seria para não detalhar o esquema que envolveria compra de votos em troca do
cadastramento no programa Cheque Cidadão.
Elizabeth trabalhou na
Secretaria municipal de Desenvolvimento Humano e Social em 2016. Ela foi presa
em outubro do ano passado acusada de participar do esquema e informou detalhes
à PF e ao MP sobre como tudo funcionava.
No dia 8 de maio, ela
voltou a procurar a Polícia Federal para relatar as ameaças e dizer que estava
sendo perseguida desde que prestou o depoimento no qual admite sua participação
e fornece detalhes do esquema.
Ao juiz da 100ª Zona
Eleitoral, Elizabeth disse que, "em maio ou junho de 2016", Garotinho
determinou novo funcionamento do programa, orientando os candidatos a vereador
aliados a buscar novos beneficiários.
A testemunha contou
ainda que ficou responsável por captar beneficiários que se comprometessem a
votar na vereadora Linda Mara e em Dr. Chicão, o então candidato do casal
Rosinha e Anthony Garotinho à prefeitura de Campos.
A determinação seria
pedir voto e dizer que o programa acabaria se não fossem eleitos. E que os
cartões do programa eram entregues já desbloqueados para uso, ao contrário da
prática anterior.
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