Passando por cima da Lava Jato de Curitiba, o grupo de Rodrigo
Janot na procuradoria da República montou um esquema para favorecer o PT e
prejudicar adversários do partido, em especial, o PMDB
9.2K13
Há duas semanas, a
futura chefe do Ministério Público Federal, Raquel Dodge, foi procurada por
emissários da Lava Jato de Curitiba. Na bagagem, os integrantes da maior
operação de combate à corrupção da história recente do País levaram uma
denúncia. No epicentro do escândalo, a entourage do ainda procurador-geral da
República, Rodrigo Janot. Segundo o relato, há cerca de um ano e meio, Janot e
sua equipe desenvolveram um roteiro paralelo às investigações da Lava Jato com
o objetivo de favorecer o PT e seus principais líderes. Nos últimos dias, sem a
anuência da turma de Curitiba, o grupo do procurador-geral resolveu protelar a
homologação da delação da OAS, cujo conteúdo – “nitroglicerina pura” para Lula
e o PT – já está à disposição da PGR para ser encaminhada ao STF há mais de 10
dias, para dar prioridade máxima à conclusão de forçados acordos com o
ex-deputado Eduardo Cunha e o doleiro operador do PMDB, Lúcio Bolonha Funaro. O
objetivo da ação seria o de fortalecer uma suposta nova denúncia contra o presidente
Michel Temer. Os aliados de Janot querem, a qualquer preço, que as delações de
Funaro e Cunha envolvam Temer e a cúpula do PMDB, mesmo que para isso tenham
que agir ao arrepio da lei.
Os interlocutores de
Raquel Dodge enxergam nos métodos nada ortodoxos do time de Janot um movimento
claro, objetivo e muito bem direcionado, mas de fins nada republicanos: um
esquema montado e conduzido pelo procurador-geral da República destinado a
favorecer o ex-presidente Lula e os principais líderes petistas nos processos
em que são alvos. Ou seja, as delações da OAS que comprometem definitivamente
Lula e Dilma e narra detalhes sobre o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia,
casos em que o ex-presidente já é réu, ficam para as calendas. Já as delações
ainda sem provas concretas que possam comprometer o presidente Temer e seus
aliados são aceleradas. Há quinze dias, um dos integrantes da força-tarefa da
Lava Jato sediado no Rio Grande do Sul já havia feito desabafo sobre o esquema
do PT no Ministério Público a um ministro do STJ. O encontro ocorreu no saguão
de embarque do aeroporto de Brasília. “Agora se sabe que a operação montada por
Janot só não dominou completamente a Lava Jato porque houve uma forte
resistência do pessoal de Curitiba”, sapecou.
O esquema funciona desde
meados de 2015, com momentos de maior e menor intensidade. Ganhou musculatura
depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e, nas últimas semanas,
enfureceu os procuradores e agentes federais hoje mais alinhados com o
coordenador da força-tarefa do MPF, Deltan Dallagnol. O estopim foi a maneira
como se desenrolaram as tratativas para a delação de Eduardo Cunha. O acordo
estava sendo negociado havia mais de três meses. São cerca de 100 anexos, que
comprometem 20 políticos entre parlamentares e governadores. Os procuradores de
Curitiba sustentam que já têm provas suficientes para apontar Cunha como chefe
de uma organização criminosa e afirmam que o que ele está revelando agora já
está bem caracterizado nas investigações da Lava Jato. Portanto, são contra
oferecer ao deputado os benefícios da delação premiada. Apesar disso, os
procuradores ligados a Janot procuram, desde julho, convencer Cunha a informar
sobre uma conta ou um truste mantido em paraíso fiscal que pudesse ter ligação
com o presidente Michel Temer e chegaram a oferecer ao ex-presidente da Câmara
a possibilidade de ser colocado em liberdade até o final do ano. Como o
peemedebista não trouxe à luz fatos que se enquadrassem às conveniências do
grupo de Janot, na segunda-feira 14, os advogados de Cunha receberam a notícia
de que as negociações estavam encerradas. Na última semana, procuradores
próximos à futura comandante da PGR manifestaram que delações obtidas pelo
esquema de Janot poderão ser alvo de revisões, o que será possível apenas com a
anuência do Supremo Tribunal Federal. “Embora tenha sido indicado pelo PT e não
esconda suas simpatias pelo partido, não acreditamos que o ministro Fachin,
responsável por acompanhar a Lava Jato no STF, compactue com esse tipo de
coisa”, afirmou à ISTOÉ um procurador ligado à Raquel Dodge na terça-feira 15.
De acordo com os
relatos feitos ao grupo da futura procuradora-geral, no início da Lava Jato, o
esquema de Janot procurava dificultar as delações que apontassem para os
líderes do PT. Depois de aceito o processo do impeachment de Dilma na Câmara,
Janot e seu grupo passaram a facilitar as delações que envolvessem adversários
do PT. O objetivo era o de procurar interferir nos votos contra Dilma. “Ficou
claro que há um direcionamento das delações”, afirma o procurador do Rio Grande
do Sul. “Num primeiro momento para procurar evitar o impeachment colocando os
líderes de todos os partidos em um mesmo saco. Agora, o roteiro de Janot é o de
levar a pique o governo”.
O problema, para o
procurador-geral, é que ele está cada átimo de tempo mais esvaziado na PGR.
Desde que a Câmara rejeitou a denúncia contra o presidente e com a ascensão de
Raquel Dodge ao posto máximo do MPF, o esquema vem ruindo como castelo de
cartas. Escaldados, os procuradores antes unha e carne com Janot já atuam no
sentido de se reposicionar internamente. Ninguém quer ficar carimbado como
“preposto de Janot” a menos de um mês da troca da guarda na PGR. “Aos poucos,
ele vai virando uma rainha da Inglaterra. Ninguém mais o obedece”, afirmou um
integrante do MP de Brasília. Diante desse cenário, até a propalada segunda
denúncia contra Temer estaria comprometida. “Sem as novas delações, falta
substância e até apoio interno para uma nova investida contra o presidente”,
acrescentou o mesmo procurador.
Claro há exceções. Uma
delas é o procurador Carlos Fernando. Na semana passada, ele declarou que havia
sido convidado por Temer, ainda na condição de vice-presidente, para uma
conversa noturna fora da agenda, no Palácio Jaburu, para discutir os rumos da
Lava Jato. O procurador não tem como provar o que diz e também não consegue
explicar por que não fez tão importante revelação no momento em que o convite
teria sido feito há um ano.
DELAÇÕES DIRIGIDAS
“Além do empenho em dirigir os depoimentos de Cunha, há duas delações que foram conduzidas pelo esquema de Janot para favorecer o PT”, confidenciou o procurador de Porto Alegre ao ministro do STJ. A primeira delas foi a do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Historicamente ligado ao PMDB, Machado afirmou que líderes do partido como o ex-presidente José Sarney, o ex-ministro Romero Jucá e o senador Renan Calheiros, estariam empenhados em paralisar as investigações da Lava Jato. Como Machado não tinha como provar o que disse, ele foi orientado pela turma de Janot a gravar conversas com Sarney, Jucá e Renan no sentido de tentar obter algo que os comprometessem. A PF chegou inclusive a fornecer equipamentos de gravação e escuta para que o delator dirigido fizesse seu trabalho. As gravações foram feitas, mas não conseguiram elucidar nada. Mesmo assim, Machado teve a delação homologada. Recentemente, a PF reconheceu que a delação do ex-presidente da Transpetro se revelou ineficaz. “Não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados”, resumiu a delegada Graziela Machado da Costa e Silva. A delação dirigida de Machado foi feita em maio do ano passado e gerou notícias negativas para o PMDB e seus principais líderes. A votação do impeachment ocorreu três depois.
“Além do empenho em dirigir os depoimentos de Cunha, há duas delações que foram conduzidas pelo esquema de Janot para favorecer o PT”, confidenciou o procurador de Porto Alegre ao ministro do STJ. A primeira delas foi a do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Historicamente ligado ao PMDB, Machado afirmou que líderes do partido como o ex-presidente José Sarney, o ex-ministro Romero Jucá e o senador Renan Calheiros, estariam empenhados em paralisar as investigações da Lava Jato. Como Machado não tinha como provar o que disse, ele foi orientado pela turma de Janot a gravar conversas com Sarney, Jucá e Renan no sentido de tentar obter algo que os comprometessem. A PF chegou inclusive a fornecer equipamentos de gravação e escuta para que o delator dirigido fizesse seu trabalho. As gravações foram feitas, mas não conseguiram elucidar nada. Mesmo assim, Machado teve a delação homologada. Recentemente, a PF reconheceu que a delação do ex-presidente da Transpetro se revelou ineficaz. “Não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados”, resumiu a delegada Graziela Machado da Costa e Silva. A delação dirigida de Machado foi feita em maio do ano passado e gerou notícias negativas para o PMDB e seus principais líderes. A votação do impeachment ocorreu três depois.
O mais flagrante
esquema de favorecimento ao PT implantado por Janot na PGR se deu com a delação
do empresário Joesley Batista. Nesse caso, além dos procuradores ligados ao
grupo de Curitiba, as críticas também partem da Polícia Federal. Os policiais
condenam com eloquência o acordo entre os sócios da JBS, os irmãos Joesley e
Wesley Batista, que estão soltos, sem tornozeleira eletrônica, e tiveram até o
direito de partir para um exílio dourado em Nova York. “As críticas internas
são enormes”, contou um investigador à ISTOÉ. Para a Polícia Federal, os
Batista não entregaram o que prometerem e, mesmo assim, continuam usufruindo
dos benefícios como se tivessem cumprido o prometido. “Não havia motivo para
conceder tantos privilégios a um grupo que cometeu crimes graves”, afirma outro
delegado que atua há anos na Lava Jato. Janot é acusado de ter concedido um
salvo conduto a Joesley, que não ficou nem um dia preso. Enquanto outros
delatores não viveram esse ‘dolce far niente’. Além dos demasiados benefícios,
delegados criticam abertamente a falta de provas nos acordos dos sócios da JBS.
Eles entendem que apesar de todo o alarde, muito pouco foi documentado, o que
fragiliza a delação.
Um dos exemplos da
falta de elementos para assegurar a delação da JBS é o das investigações de
contratos com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para a Polícia Federal, os trabalhos caminhavam bem antes da assinatura dos
acordos. “As investigações já estavam adiantadas, não precisava dessa delação”,
disse um delegado na quarta-feria 16. “A gente alcançaria o mesmo resultado sem
conceder tantos benefícios a pessoas que lesaram os cofres públicos por anos”,
completou outro investigador ouvido por ISTOÉ. O objetivo do grupo de Janot ao
acelerar a delação da JBS era o de desestabilizar a gestão de Temer ás vésperas
da votação das reformas e obter elementos para forçar uma denúncia oficial
contra o presidente.
Diante do escândalo, o
grupo de Raquel Dodge já definiu que essa delação vai passar por um pente fino.
Em algumas conversas, a futura procuradora- geral já afirmou que será rigorosa
numa eventual revisão do caso. Ele terá que comprovar as acusações que fez.
Além de facilitar e até incentivar as acusações contra o PMDB, Temer e parte do
PSDB, principalmente Aécio Neves, o esquema paralelo montado por Janot dentro
do Ministério Público procurou dificultar as delações que envolvem o alto
escalão petista e até fez vistas grossas a algumas arbitrariedades. Quando a
ex-presidente Dilma tentou nomear Lula para a Casa Civil, por exemplo, Janot
cambaleou. No final de março, deu sinal verde dizendo que um presidente teria o
direito de escolher seus ministros. Constrangido, foi obrigado a recuar e dez
dias depois, em abril, pediu a anulação da nomeação porque o ato estava
maculado de desvio de finalidade.
O esquema pró-PT passou
a operar de forma mais visível e incisiva a partir de abril do ano passado,
quando a Câmara dos Deputados aprovou a abertura de processo de impeachment
contra ex-presidente Dilma Rousseff. Até então, a atuação do grupo se dava de maneira
discreta, tentando impedir que as delações envolvendo a cúpula petista fossem
homologadas. Para tanto, de acordo com um procurador que atua em Porto Alegre,
Janot e seu grupo eram absolutamente rigorosos na busca de provas para tudo o
que fosse revelado pelos delatores. No caso do ex-senador Delcídio Amaral, por
exemplo, as confissões feitas por ele só receberam sinal verde da procuradoria
após exaustiva investigação da Polícia Federal, que confirmou suas declarações
por intermédio dos sistemas de segurança de restaurantes e cópias de passagens
aéreas. Diretores de empreiteiras como Andrade Gutierrez e UTC só obtiveram os
benefícios da delação premiada após apresentarem cópias de extratos bancários e
de longas perícias feitas na contabilidade das empresas. “As exigências eram
muitas e boa parte da investigação só foi avante devido o posicionamento do
juiz Sérgio Moro e o respaldo encontrado por ele nos desembargadores do
Tribunal Regional Federal”, disse o procurador ao ministro do STJ. Pelo bem do
País e do estado democrático de direito, que hoje resvala no estado de exceção,
os dias da atual gestão à frente da PGR estão contados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário